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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Sabores e dissabores

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publicado em 15/07/2023 ás 07h00
atualizado em 15/07/2023 ás 08h09

Tínhamos todos os sonhos do mundo.

No dia em que nos casamos, há trinta anos, teve uma festa na casa da tia de Francis, Dra. Berenice, no Bairro dos Estados, e outra em nossa casa. Lembro que passei um ano juntando dinheiro para comprar dois litros de uísque: um Cavalo Branco e o adorável Ballantines, aquele que jorrava na beleza anarquistas das coxas molhadas.

Na festa na casa da tia B,  o pianista Gustavo Rabay, tocou Jobim e Villa-Lobos. Ali eu senti um frio na barriga, de que a vida não era assombrosa, tinha a Melodia Sentimental de Villa-Lobos, que eu poderia continuar apaixonado pela vida. “Acorda, vem ver a lua/Quisera saber-te minha/Na hora serena e calma/A sombra confia ao vento/O limite da espera/Quando dentro da noite/Reclama o teu amor”

Meu paletó preto, a gravata estampada, combinavam com o entardecer. Francis vestia cor de rosa e chamava a atenção sua meiguice e amabilidade – a vida é tão pequena.

Sentíamos que tudo era possível. Eu nunca quis mudar o mundo, ninguém nunca conseguiu. Seja como for, mesmo que de forma diferente e por diferentes razões, foi  o que tínhamos em comum, um amor de carnaval, que nos encontramos bem depois para o projeto de criação do amor.

Quando o espaço existiu, resistiu, podemos cria-lo, jamais recriá-lo. Juramos que passaríamos o resto de nossas vidas juntos, em vez de espectadores da transformação do grão.

Meu irmão William veio me buscar para a cena aos pés do juiz de paz, dizer sim. Sim, eu tinha 33 anos. Falamos com o juiz para que o casamento fosse separado do coletivo – ele, que não lembro nome,  atenciosamente, fez nosso casamento no gabinete. Ali mesmo, eu chorei.

Casei no ano em que minha mãe  deixou o planeta, do legado do amor  e desamor de meus pais, nada veio acrescentar, sequer de meus ancestrais. Eu nunca acreditei que seriamos como nossos pais, nunca. E não somos.

Não vou contar mais nada. Como tantos outros olhares que se juntam, pouco ou nada sabíamos de como seria uma vida a dois, mas aquilo que nós sabíamos, o sexo, uma jornada de estrelas, foi e não foi o suficiente para seguirmos na luz solar .

O escritor Ascendino Leite, um dos convidados para festa no Bairro dos Estados, levou de presente um cheque, que deu para  três feiras.

Nosso filho único veio 8 anos depois do casamento. Um menino lindo chamado Vitor. Estou certo, estou sim, a aparição dessa pessoa se tornaria naquilo que é hoje, o homem da minha vida, veio para substituir o outro homem que eu amava, meu pai.

É muito louco  esse exercício de tentar regressar ao passado e, daquela posição tal, tentar lembrar a visão que tínhamos do futuro, trinta anos depois.

Hoje, como há 30 anos, há algo que nos distingue de forma mais clara e que ganha agora contornos identitários.

A ideia primitiva do casamento de mobilizar um ao outro, associada à vontade de realizar sonhos, anseios, renúncias e cobranças sem fim  – ou contribuir um para o crescimento justo do outro, igualitário e livre, simboliza e verbaliza na expressão que já nos acompanha séculos amém. Um ajudou ao outro. Não há mais o que reclamar.

Aqui estou mais um dia… Viver o melhor um do outro?  Sou grato por tudo que Francis fez por mim.

Kapetadas

1Eu sou campeão mundial em acreditar no ser humano. É incrível a minha teimosia em não desistir de tentar enxergar o lado bom. Adivinha: Só me lasco.

2 – Para conseguir boa companhia basta ser bom acompanhante. Simbora que o sol já está alto.                                                                                  3 – Som na caixa: “Talvez o mundo não seja pequeno” , Chico B e Gilberto Gil

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