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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Vasculhar arquivos  

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publicado em 19/07/2023 às 07h00
atualizado em 18/07/2023 às 18h33

         Sempre indago por que uma pessoa reserva parte de seu tempo para vascular os empoeirados arquivos, a percorrer quilômetros em busca de uma informação. Que estranho prazer é esse?

         O historiador Capistrano de Abreu e o nosso Irineu Pinto integram o grupo de pesquisadores que removeram montanhas de papéis para remontar nossa História, a ponto de prejudicar sua saúde.

         O paraibano Horácio de Almeida, historiador de revelado tirocínio, passou treze anos em busca de informações para descobrir quem foi Maria Firmina dos Reis, autora do romance Úrsula, publicado em 1859, assinado com o pseudônimo “Uma maranhense”.

         Para alguns estudiosos da Literatura, este livro é precursor às manifestações em favor da libertação de escravos. Castro Alves chegaria depois com seu poema Navio Negreiro.  

          Há pesquisadores que passam dias atrás de um dado indispensável na montagem do quebra-cabeça de um fato histórico, removem arquivos e apuram dados, porque o pesquisador é um investigador que anda por diferentes espaços, fareja até descobrir o objeto de seu desejo.

Sempre tivemos homens e mulheres, desde os tempos remotos e os temos agora, que silenciosamente catam pedaços de registros em cartórios, arquivos eclesiásticos, livros de tombo nas igrejas, vão atrás de jornais antigos. Sempre em busca de um vestígio que possa alimentar o desejo de montar o roteiro de uma época. Cemitérios também são pontos de partida para se encontrar informações sobre famílias e o surgimento de cidades e povoados, porque ali sempre existem um nome e uma data como referências.

         Foi o que fez o historiador Horácio de Almeida, na ânsia de descobrir quem seria a autora desconhecida do romance Úrsula. Não arredou pé das trilhas que conduziam a mulher desconhecida. Partiu de uma sombra, mas encontrou as pegadas na areia movediça dos arquivos. Tinha conhecimento que se tratava de uma pessoa nascida no Maranhão, e somente isso. Seguiu trilhas inimagináveis, até que, 13 anos depois de garimpagem pelos arquivos e busca de informações de um fato ocorrido há mais de 120 anos, sua procura obteve êxito em 1962, conforme notinha publicada no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, em 1975. Um êxito que trouxe luz à literatura brasileira praticada por mulheres, sobretudo partindo de uma pessoa negra que, na época, sofria discriminações e contestações.

         Horário de Almeida ajudou muitos a conhecer esta obra de relevante valor literário e histórico. Nisso consiste a recompensa ao esforço do pesquisador, mesmo com o sacrifício da saúde.

            Afinal, quem foi Maria Firmina dos Reis. Pouco se sabia dela até que o paraibano, fundador da Academia Paraibana de Letras, a descobriu. Maria Firmina dos Reis nasceu em 11/03/1822, ano da independência do Brasil, e morreu em 11/11/1917, quando o mundo vivia o peso da Primeira Guerra Mundial. Filha de homem branco com mulher negra, o que certamente permitiu acesso às letras rudimentares, ela também escreveu crônicas e poemas.

No prólogo da obra, a escritora afirmava: “Pouco vai este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados”.  Essa referência é dirigida aos que, munidos de recursos financeiros, na maioria provindos da exploração humana, eram educados na Europa.

Escrito em uma época quando o Brasil buscava sua identidade, a partir do olhar às artes, na descrição do cotidiano e na evocação de paisagens, urbanas ou rurais, o romance Úrsula chegou com um conteúdo realista. O romance, ainda que de cunho ficcional, traz testemunho sobre a escravidão, denuncia quadro de opressão social e as limitações impostas à mulher.

O livro que apresenta o quadro desolador da escravidão, em seu pioneirismo, por isso Úrsula também pode ser considerado o primeiro grito da mulher em busca de sua liberdade por meio da arte. Assim, na sua leitura, é possível identificar quadros de profunda miséria e exploração humana naquele período, mesmo que seja um romance com passagens românticas, comum à literatura praticada à época.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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