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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Poetas de sempre

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publicado em 19/07/2023 ás 07h00
atualizado em 18/07/2023 ás 21h37

 

Que a poesia brasileira contemporânea não segue diretrizes de programas fechados já me parece um axioma. Sobretudo depois dos ilusórios caminhos de vanguardas particulares, seduzidas pelos roteiros estéticos de índole experimental e doutrinária, a poesia como que recupera a vívida tradição do verso, o gosto semântico pela palavra, o compromisso com a configuração retórica, em especial no âmbito da metáfora, através do qual se explora, ao máximo, o chamado eixo de similitude da linguagem, isto é, a sondagem profunda da função poética do discurso lírico.

Muitos autores passaram ao largo dos protestos vanguardistas e investiram no território de uma poética permanente e inteiramente condicionada aos temas essenciais de sempre, sem descuidar, é óbvio, do lavor inventivo em termos de linguagem, na medida em que a linguagem poética é um complexo especial e orgânico de fusão entre som e sentido, no dizer de Valéry, ou, dito de outra forma, de correspondências entre ideia, música e imagem.

O maranhense Nauro Machado (foto) (1935-2015) é um desses poetas. Tendo estreado, em 1958, com Campo sem base, desenvolveu uma vasta obra, marcada por uma unidade de concepção existencial como poucos, mesmo que procurasse – desenvolto artífice do verso que foi – variar no método de construção, uma vez que trafega bem pelo verso livre e branco, pelas formas fixas, sobretudo o soneto, e pelas experiências minimalistas e medulares da expressão medida e cortante.

Um oceano particular (São Luís: 2021) testemunha este fato histórico e estético, no seu estatuto de terceiro livro publicado, dos seis inéditos que deixou. Os dois anteriores foram: Canções de roda nos pés da noite (2016) e O pombo negro dos sobrados (2020). Todos eles caracterizados por uma intensidade emotiva e por um fôlego imaginário vazados em estilo único e num vocabulário personalíssimo que comove e espanta.

No ensaio “Musa morena moça: notas sobre a nova poesia brasileira”, inserido nos números 42∕43, da revista Tempo brasileiro (julho de 1975), José Guilherme Merquior assim se pronuncia: “No sombrio expressionismo de Nauro, que lembra (menos o léxico científico e a estridência do estrato fônico) o de Augusto dos Anjos, a imagística se põe a serviço – para além da moldura espiritualista – de toda uma somatização da angústia”.

O poema que dá título a este último livro publicado, ilustra bem a pertinente observação do crítico carioca, senão vejamos: “Nada, nada, pois tudo é um nada em nada ∕a transbordar pelas bordas de um mundo ∕inacessível às nossas mãos na água: ∕para bebê-la ou para atravessá-la, ∕não temos boca e nem mais os braços. ∕Nada, nadador, nada como um náufrago!”.

Vejo Nauro Machado como um poeta de sempre, assim como me parece um poeta de sempre o pernambucano Carlos Newton Júnior (1966…) que, logo após a publicação de Ressurreição: 101 sonetos de amor (2019) e de Memento Mori: os sonetos da morte (2020), comparece, na cena lírica, com Coração na balança (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2021).

Também infenso aos surtos vanguardistas e muito colado à alta tradição literária do ocidente, Carlos Newton Júnior vem exercitando uma dicção expressiva atenta às motivações vitais, sem temer o confronto de sua fala poética, na procura de autonomia e de singularidade, com as vozes canônicas dos inventores e dos mestres.

Sua poesia absorve os temas líricos por excelência (o amor, a infância, a solidão, a morte, entre outros), porém, sem incidir naquele transbordamento da emoção que pode comprometer a medida do verso, conforme nos ensina T. S. Eliot. O elemento subjetivo, ou seja, a força da personalidade, de que se socorre no mais das vezes me parece se ajustar ao sentido de construção e à consciência crítica imprescindíveis à formulação da linguagem poética. Um exemplo só, a partir de uma tomada metalinguística, é suficiente para demonstrar esta verdade. Leia-se o poema “Arte poética (X)”, à página 118: “Desnecessário é dizer ∕que o poeta nada cria:∕rememora, ao escrever, ∕ tudo que viu, algum dia.  ∕∕ Quando recolhe, tranquilo, ∕uma emoção que viveu ∕e a molda no próprio estilo ∕ (esse, sim, é todo seu),  ∕∕ liga-se ao deus escondido ∕ que lhe sopra o que ele tece; ∕ e o poema, assim tecido, ∕ novo, jamais envelhece”.

Que tenho aqui, na organização destes três quartetos em redondilha maior? Nada mais nada menos que a concepção de poesia do poeta inglês de extração romântica, Wordsworth, ou seja, poesia como emoção recolhida na tranquilidade. Por isto, quero crer que este Coração na balança, à semelhança de outros títulos de Carlos Newton Júnior, confirma e ilustra o sentido deste postulado estético.

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