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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Para encher a rua

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publicado em 23/07/2023 às 08h02
atualizado em 23/07/2023 às 05h04

      Cada palavra antiga surge como nova, menos cafona, baixaria, maldade e outras…muitas outras.

      A única forma de comunicação da cidade em que nasci, Jatobá, era a difusora, além das bocadas. Anúncios de morte, missas, tragédias, prestamentos de contas, aniversários de pessoas “importantes” e campanhas de solidariedade encabeçada por doutor Irapuan Sobral escambau

     Ainda não era noite e eu estava na rua. A difusora da cidade anunciava meu nome. A voz do locutor dizia que minha mãe estava me esperando urgente em casa. Aquela repetição do meu nome “alô Kubitschek” e as pessoas começaram a me dizer a mesma coisa, que minha mãe estava me chamando em casa, achei que fosse onda dos asilados.

    De sempre, meu pai trazia-me coisas de outros mundos, onde a sabedoria não precisava de cadernos nem canetas e nos era atirada à cara para aprendermos mais, muito mais.

    Cresci com essa coisa sem-cerimónia e sei o que ela é, o que ela custa, o que ela desarma, e o que ela me representa.

     Um rapaz do interior com esse nome diferente de Kubitschek, já dava para ver a banda passar. Mesmo longe da arca, eu não poderia ser Juscelino. Há sempre uma arca numa casa do sertão, mas nem toda a gente sabe.

    Nada ficou no lugar, com muitas histórias a serem recontadas, e como eu não gosto de deixar histórias por contar – “temos de as soltar para que possam correr todas nuas”. No sertão a gente dizia: “eu vou encher a rua”.

    Algo me resgatou no impulso como deve ser com as histórias para que guardem na alma.  Ainda que com um talismã nos olhos, sinal de que eu podia ir bem mais, mas nem isso: sou um jornalista, um pai de família.

    Se eu soubesse tocar um instrumento, não seria mais um a tocar, talvez por isso, ando cantando sozinho e filmando meus pés, para mostrar qualquer beleza, qualquer vantagem da liberdade, que conquistei apregoada ao divino, de olhar sempre o mundo pela primeira vez. Eu sempre faço isso, mas não sou canário do rei.

    A maior infelicidade, é não ter uma ocupação, não saber ler, não ter ido à escola, não ter amigos, não ter uma saudade para sentir, é não olhar para as coisas sem dar importância.   Fiquei sabendo que uma mulher da capital andou dizendo horrores sobre minha pessoa, numa difusora portátil. Tive pena, ia meter um processo, mas ela não tem onde cair morta. Não é uma sertaneja, uma mulher forte, é uma vagabunda jogada a toda sorte. Esquece.

    Com os mesmos lábios, com a mesma ternura, das vezes em que sentimos ao abraçar um irmão, um filho,  um amigo, um pai, uma mãe,  eu sou o prenuncio do amor, e estou na estrada, embora sejamos completamente diferentes, mas nunca indiferentes.

     O som da difusora não saia da minha cabeça. O que minha mãe queria comigo tão urgente? Ah, ir com a ela a um velório.  Quando eu era  pequeno, minha mãe mandava cortar meu cabelo no estilo militar. Pow!

      Não quero que os beijos que recebo sejam novos, quero que sejam beijos, quero que sejam sempre beijos.

      Não quero sobressaltar quando eu era jovem, não, quero ficar jovem só na cabeça. Uma pessoa só pode ter paz se ela não conviver com gente tóxica.]

 Li numa parede: “Só somos felizes quando já não sentimos os sapatos nos pés” – não sei quem escreveu isso, mas aposto nela e faço dos meus sapatos, sandálias, para saber onde piso.

Kapetadas

1 – Não aguento mais essa vida de humano, eu quero uma vida de cachorro.

2 – Ônibus incendiados são um produto do consciente coletivo.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB