João Pessoa, 02 de agosto de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sou fá de carteirinha de Gonzaga Rodrigues. Leio suas colunas desde os idos de 70, quando aqui cheguei para estudar Direito. Jackson, um dos meus colegas, tido como inteligente, dizia que na crônica Gonzaga era imbatível. Entre os bons (Luís Augusto Crispim, Natanael Alves e Francisco Pereira Nóbrega), era o melhor.
Passado o tempo e mais maturado o prazer da leitura, acabei ao sabor do convívio pessoal. Falei com ele pela primeira vez na redação de A União, ali onde fora a sede da Saelpa, em frente ao Thomás Mindelo. À época, editava o Correio das Artes, e, de pronto, me pediu o adjutório da colaboração.
Com o tempo nos tornamos parceiros das páginas de jornais, confrades na APL – Academia Paraibana de Letras, e amigos nas rodas literárias de índole intelectual e boêmia. Foi muito generoso comigo, quando, em Parecer para a minha inscrição na Casa de Coriolano de Medeiros, escreveu: “Este, aqui, chega tarde”.
Pertencemos a gerações diferentes, pois ele me leva a dianteira em 20 anos, e nem sempre estamos de acordo diante dos conceitos, das ideias e das criaturas, mas temos algumas paixões comuns e singulares.
Somos leitores apaixonados de José Lins do Rego e de Augusto dos Anjos, autores de uma tristeza sem fim; sabemos do quilate especial de uma cachaça brejeira; apreciamos as pequenas viagens aos lugares pequenos, feitas num dia neutro da semana, e sempre nos inquieta o rosto bonito e misterioso de uma mulher que passa como passa a ciclo da vida.
Sua prosa traz o vento e o verde dos canaviais. Cada palavra parece plantada com o estrume e o lodo mais orgânicos da terra. A flora e a fauna, quando ele se atém às malhas do sítio que carrega consigo, inundam nosso olhar de leitor, bestificado face ao encontro inesperado da simplicidade e da beleza. Se a página se volta para o complexo urbano, é o imaginário da cidade que se desnuda em sua arquitetura monumental, desfeita, hoje, pela ferrugem das ruínas.
Gonzaga é memória. Gonzaga é história. Gonzaga é remorso. Registro poético do que se foi, do que se finda, embora o esforço de sua sintaxe articulada, como em poucos, em prol dos imperativos líricos, faça latejar a voz de alguma resistência, de alguma rebeldia. Sua crônica possui qualquer coisa de utópico. Sua estética enraíza-se na ética. Ambas, de fato, fundam as notas de seu lugar.
Na dedicatória do próprio punho, da segunda edição de seu Café Alvear: Ponto de encontro perdido, mais uma vez me faz um mimo com estas palavras: “Ao mestre real, que já não me vem outro título para quem propaga a literatura ilhada da Paraíba fora das suas fronteiras, meu afeto, minha gratidão, fazendo ´vale` para minhas dívidas”.
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OPINIÃO - 22/11/2024