João Pessoa, 06 de agosto de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A ideia é vender a vida (já se vende adoidado, né?) – não a profissão mais antiga, mas fígados, corações, rins e afins. Não, vender a vida não é uma ideia, jamais uma regra, é, talvez, a porta de saída entre o fim e muitos começos descomunais.
Vamos para o filme “Paraíso”, Paradise, no original – um projeto do cineasta alemão Boris Kunz, em parceria com Tomas Jonsgården e Indre Juskute ambientado em um futuro não muito distante, muito embora o futuro já passou. Estamos na fase em que somos alcançados pela inteligência artificial e rendez-vous com os robôs.
A trama da distopia de Paradise acompanha as personagens Max (Ullmann) e Elena (Tanczik), um casal com uma vida perfeita, mas perfeitos não somos. Não seremos.
Insisto, a ideia é vender um tempo da vida de cada um. É um filme que trata dessa realidade do método que estabelece, da transferência de anos da vida de uma pessoa para outra, cuja sensação é que o mundo realmente acabou (faz tempo) ou estamos apenas fabricando bebês sem cabeças.
Eu não quero “spolear” o filme, (eita! criei um neologismo) onde a start-up de biotecnologia manipuladora do capitalismo é o templo AEON, que controla tudo.
Quando dei play o filme me levou a conhecer um paraíso dentro de outros paraísos, que só existem na nossa cabeça, o que não acontece muito com os infernos, que estão lotados, com lista de espera. Nada será como Dante, como disse meu amigo Alexandre Marques. O corte, a carne e a maldade de todo santo dia
No último verão, vi um homem que estava a ler na calçada da praia “O livro do desassossego” ( de Fernando Pessoa) e, de repente – por um sortilégio, pura alucinação, estava diante do paraíso.
Ler é cada vez mais complexo. Eu lia nos travessia dos ónibus da praia da cidade, daqui para o Recife, e tinha sempre a sensação de paraíso, mas alguém-ninguém, me acordava dizendo que ler em movimento não é bom para vista. Eu sempre dizia: i dont no.
Florestas e cidades estão morrendo de asfixia. O homem lia a obra de Fernando Pessoa, a percorrer o sonho dos sossegados e coisas que desaparecem: um amigo, uma mulher, o pai, uma amante, uma casa, uma pintura, um maço de cigarros.
Vender alguns anos de vida, não significa chegar ao paraíso, para quem vende ou para quem compra. O nome do filme tem essa vertente, mas o paraíso é algo que não conseguimos ver, só imaginar.
Existe um paraíso deserto? Não, todas as ilhas já foram desertas, agora só milhas. O conto da Ilha Desconhecida, de Saramago, é uma saída.
O paraíso está no filme, na medida que as emoções se dilaceram, na passagem dos anos, quando uma pessoa vende por exemplo, 40 anos de seu tempo, e a outra que recebe, fica jovem passa a viver a perder de vista o tempo perdido.
Claro que o filme é brutal e quase tudo foca na força da grana – lembra essa gente que anda fazendo harmonização no rosto – às vezes dá errado, às vezes replicantes e outros, monstruosidades. Onde estávamos?
O paraíso está nas imagens noturnas do filme, na luz do mar, na fuga em mulher em busca do filho morto e novo filho com outra pessoa. Talvez a garantia da incerteza de outras palavras, até que o silêncio se instale. O paraíso é o silêncio.
Dificilmente ou finalmente, entendemos nossa relação com o tempo. Essa mania de querer saber que horas são, a que horas você chega, na demora das respostas, – o sim e o não, talvez, mas isso não é paraíso.
Kapetadas
1 – eu queria falar aqui coisas de cujas quais não posso falar – outros paraísos, sabe?
2 – estou me propondo a ler alguns livros de Eça de Queiroz sem me preocupar se de repente eu começar a soltar uns termos do tempo de outrora como bem me aprouver
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OPINIÃO - 22/11/2024