João Pessoa, 07 de agosto de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
É muito fácil falar de amor, porque todos nós percebemos e experimentamos este sentimento. Ele não se define, o amor se vive. São reações como estágios que o corpo humano expressa diante dos acontecimentos e dos indivíduos. Há muitas formas de amar e ser amado. Ele é estudado por cientistas, filósofos, antropólogos entre os quais se destaca o linguista britânico Tim Lomas (2018), professor de Psicologia Positiva na Universidade do Leste de Londres (50 idiomas e reuniu mais de mil termos). Afirma: “Sem dúvida, não existe nenhuma palavra que dê conta da ampla gama de emoções e experiências que envolve o amor”, Acrescenta; ” o amor é a emoção mais apreciada, falada e procurada ao redor do mundo, fazendo com que seja tarefa quase que impossível identificar todas as formas possíveis de amar”.
Há várias formas: amor pelos lugares como nosso lar, o que protege, educa e cuida da família, por nós mesmos, capaz de construir nossa autoestima; os laços que estabelecemos com os amigos; o romântico que envolve paixões, desejos sexuais, afetos, o platônico etc. Para expressa-lo usamos uma linguagem que vem carregada de entendimento, respeito, perspectiva e opiniões do outro que fala como pensa, como age perante esta ou aquela situação, a cumplicidade e compatibilidade. Demonstram manifestações, carinho, paixão, empatia, compreensão, desejo de proximidade, desejar o bem e coisas boas a quem ama que o torna especial, comportamentos que traduzem o amor que não se vê, mas se sente. Isto significa amar. É algo individual de cada um. É personalíssimo, envolve componentes emocionais, cognitivos, comportamentais que são difíceis de separá-los. Quando ele surge? Aparece inesperadamente. Vem do nada, sem motivo, sem avisar, sem pedir licença. Quando a gente vê, já está cá dentro. É avassalador. Por vezes até atemorizante, porque vem com força.
Para consolidar o amor surge o casamento, que teve sua origem na Roma antiga. Platão foi o filósofo que mais falou do amor e para ele o amor é capaz de fazer e viver aquilo que o corpo biológico não pode conceber, isto é, o heroísmo. É ministrado de acordo com a cultura, adquire vários significados, principalmente o sentido patrimonial, acompanhando as mudanças da evolução histórica. No ocidente, passou a integrar como costume na sociedade a partir do século XVIII.
Ao escrever sobre algo, sempre antes busco a razão de ser do acontecido, procurando uma explicação para o fato e nem sempre o encontramos, uma vez que tudo que envolve o ser humano não é matemático, é imprevisível, é incógnita, ainda mais em se tratando de emoções. Digo assim, porque na semana passada fui sabedora de uma história que envolvia o colega da hidroginástica, Moacir. Ele chegou com semblante muito triste, aliás ele sempre se mostrou introspectivo, de pouca conversa o que nos dava a impressão que guardava na alma um sofrimento que o deixava desolado. Chovia e poucos colegas compareceram à aula. Ficamos a conversar, ele, a professora Marina e eu. Embora na turma houvesse mais jovens, ele enturmou-se e passou a gostar e brincar deixando-o mais descontraído.
No desenrolar da conversa a docente perguntou: Moacir o que lhe faz tão abatido? Será que poderíamos saber? Ele disse: professora, vou narrar a minha história que é longa e não é das mais felizes. Vivo muito triste porque estou numa solidão e iniciou a construção da sua linha do tempo. “ Sai daqui da Paraíba, com 16 anos, para o Rio de Janeiro. Como todo rapaz, na época, acalentava um sonho: Vencer na vida. O Rio oferecia aquela possibilidade. E assim se deu e eu me mandei para lá”. Chegando lá empregou-se numa empresa e conheceu uma moça que também era paraibana e casaram.
Começaram juntos a construir suas vidas. A medida que o tempo passava foi crescendo dentro da empresa. Não possuía estudo mas tinha a parte braçal e as atitudes gerenciais que pareciam natas sem a teoria, mas a inteligência gerencial administrativa aguçada para os negócios o fazia um “douto saber”. A empresa só fazia desenvolver-se cada vez mais. De caráter, honesto e sempre comprometido com o que fazia, foi ganhando espaço e crescendo junto com a empresa. Assumiu cargo de chefia e em seguida de gerência o que lhe exigia viajar o Brasil inteiro, de ponta a ponta. Nessa ocasião possuíam condição econômica confortável ele e sua família. Tinha casa própria, dois carros, um dele e outro da mulher, as filhas, uma de 13 e outra de 8 anos, estudavam em bons colégios etc. O crescimento da empresa no país obrigava que viajasse cada vez mais e sua esposa ficava muito só. Em uma das voltas inesperadas para casa descobriu que estava sendo traído por um colega de trabalho. Ele falou “ Foi como se eu tomasse uma punhalada. Não esperava porque a mulher começou tudo comigo, tínhamos uma harmonia, tudo que conquistamos juntos, com todo aquele sacrifício inicial, batalhando. Foi uma surpresa que surgiu como uma hecatombe, a casa desabou. Procurei o chão, na minha vida, e não encontrei ”. Moacir demonstra, em sua fala, uma dor lancinante que não tem como descrever. Como o homem tivesse perdido o rumo e não mais sabia a direção. Ele se emociona como se voltasse às agruras do passado. Percebemos quanto aquela circunstância enfrentada foi árdua em sua vida. Passou uns instantes em silêncio. Disse-nos: “ perdão, eu não gosto de lembrar-me desse pedaço da minha vida. Essa foi a primeira decepção. ”
Moacir, com o acontecido decidiu dar uma reviravolta em sua vida e tentar um recomeço da estaca zero. O que tinha construído em seu primeiro casamento deixou para sua ex-mulher e filhos. Com muitos anos na firma, pediu demissão, e, com a indenização, conhecendo com competência o ramo da confecção, resolve montar a própria empresa, pois sua experiência lhe dava credenciais para tal. Resolveu ir morar no sul do país, pois devido às suas andanças ele era conhecido, fez amigos e tinha relacionamentos na cúpula empresarial sulista, o que facilitou a construção de seus empreendimentos. Estabeleceu-se e Instalou uma fábrica de confecções e algumas lojas, que mantêm até hoje. Na labuta diária, apaixonou-se por uma funcionária que trabalhava na produção. A moça, bonita, o atraiu, muito mais jovem que ele. Passou a cortejá-la, muito romântico, carinhoso. Conquistou-a, iniciou o namoro. A história se repete. Ela era humilde, vivia em condições precárias e ele ofereceu todo conforto e bens, moravam em uma mansão, de situação econômica confortável melhor do que a do primeiro casamento, tinham carro etc. Viajavam sempre para o exterior em férias hospedando-se nos melhores hotéis. Passaram 20 anos juntos. Foi quando, sem que houvesse motivo nenhum, um dia, inesperadamente ela chegou em casa e disse que tinha encontrado uma pessoa pela internet e que estava apaixonada e queria acabar o casamento deles. Foi outra desilusão grande que dilacerou seu coração. O cara que ela encontrou era residente no Pará que não oferecia as condições que ela tinha com ele. Bateu o pé e saiu de casa e ele teve que enfrentar mais uma decepção, mais uma separação traumatizante. Deliberou diminuir o ritmo da sua vida. Tinha 60 anos naquele momento.
O patrimônio construído obtivera à custa de muita garra e sacrifício. O que o fez refletir: Porque tanto esforço e tanto trabalho? Talvez estivesse supervalorizando as coisas materiais e estas não traziam a felicidade, ao contrário, mostravam uma importância relativa em sua vida, não eram capazes de sustentar o sentimento do amor e nem trazer a harmonia necessária num casamento que pensava ser sólido. Tornava-se inevitável levantar a cabeça e seguir em frente. As duas filhas, adolescentes, ficaram com ex esposa. Vendeu uma das fabricas e manteve as duas maiores lojas. A fábrica que ficou com ele passou para o seu filho, da primeira esposa. Decidiu voltar para Paraíba, onde tem família e parentes e seria uma forma de esquecer as frustações que passou.
Residindo aqui, veio fazer hidroginástica e foi assim que nos demos a conhecer como colegas da natação. Matriculou-se na turma de jovens; todos o acolheram com consideração. Chamam-no de Zito, um apelido carinhoso de família e assim ficou por Zito; poucos o chamavam de Moacir. Ao conhecer sua história, a turma começou a brincar: vamos arranjar um amor pra Zito; Ele não pode ficar só, então era aquela brincadeira. Foi quando a professora se lembrou de uma aluna, Marilia, de outra turma da hidro que afirmara nunca ter tido sorte na vida. Dez anos mais nova, professora universitária, só passara casada dois anos, teve uma filha, mas a separação se deu mesmo antes do seu nascimento. Sua filha, hoje com 25 anos, formou-se em medicina e encontra-se cumprindo residência no sul do país. Com a decepção sofrida nunca mais quis saber de relacionamento. Em seu aniversário, no almoço em restaurante da cidade, a professora falou para ela que na turma da noite havia um aluno tão legal, homem com muitas qualidades etc. Ela pediu para que mostrasse uma foto, e achou-o simpático. À noite, na aula, Marina falou para ele: “Zito eu acho que encontrei sua cara metade. Ele respondeu: “E foi? Como é o nome dela? Marilia, respondeu. Vou passar o WhatsApp dela e você fica conversando, mandando mensagens e vai se acertando, se conhecendo etc.
Foi marcado um jantar por Zito só para casais, eu e meu esposo, outra amiga e o marido, e eles dois. Foi o primeiro encontro. Embora já houvesse passado o aniversário de Marilia, Zito, muito poético levou um buquê de rosas vermelhas para ela e mais dois para as outras mulheres com cores de rosas diferentes. Mostrando-se cavalheiro, apaixonado, mandou vir uma sobremesa em formato de coração escrito “Feliz Aniversário”. Surpreendeu-a naquele jantar e ela ficou encantada e deslumbrada com Zito. Namoraram e estão noivos com data marcada para o casamento. Moacir aguarda, com toda esperança, que o novo matrimonio lhe reserve a felicidade tão desejada e que consigam desfrutar uma vida a dois como sempre sonharam.
Diante da história amorosa de Moacir, percebe-se que retrata muito bem o conceito da modernidade liquida construído por Zygmunt Bauman (1925 – 2017). A nova compreensão moderna do amor na era digital, pós-moderna. O mundo sofre transformações muito rápidas o que gera crise em função da insegurança diante da nova realidade que rapidamente surge como se diz, vive-se uma era de “amor líquido”. As relações afetivas do mundo contemporâneo produzem mudanças significativas, devido a efemeridade e a fragilidade das relações. É uma das principais marcas do nosso tempo. “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar “. Ao analisar esses aspectos o sociólogo analisa as relações sociais e de consumo. Segundo ele as relações humanas se restringem a conexões superficiais e que podem ser rapidamente desfeitas. É como “deixar de seguir ou bloquear” nas redes sociais. E assim acontece nos vínculos de amizade e de amor. Os contatos entre as pessoas acontecem devido uma necessidade de prazer momentâneo. Nesse sentido, é mais valorizada a quantidade do que a qualidade nas relações. As pessoas são convertidas em mercadorias que podem ser usadas e descartadas. Os valores dos indivíduos estão diretamente vinculados aos produtos que consomem. Nesse sentido, o consumo torna-se importante marcador da modernidade líquida.
A emancipação feminina no mundo e seu controle da concepção tem levado a um estado de crise individual permanente. Com a internet os relacionamentos virtuais ganharam maior fluidez onde existe sempre uma alternativa de “deletar” os compromissos irrelevantes, as relações não se fundamentam sobre a honestidade e é pouco provável que se sustentem. O caminho amoroso de Moacir nos demonstrou isto. O que acontecerá a eles só o tempo trará a resposta.
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OPINIÃO - 22/11/2024