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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Oração e Poesia    

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publicado em 09/08/2023 às 07h00
atualizado em 08/08/2023 às 14h27

 

         Quase sempre começo a trabalhar na madrugada coberta com seu véu do amanhecer, para esperar o sol despontar por entre casas e edifícios que me consentem avistar o horizonte amarelado sobre o mar, mesmo sabendo distante. Tenho como hábito terminar cedo os afazeres do dia para observar o sol no entardecer, quando me é permitido olhar, mesmo que seja uma nesga ao longo da rua.

         Desde o tempo de criança me aconselharam a responder aos apelos da Natureza como dádivas celestiais, sabendo que o sol nasce para os bons e os maus.

Poetas relevados na paisagem espiritual emanada da Natureza sabem observar o sol nascente e recolhe do sol poente os raios de inspiração para o repouso da noite.

         Poeta que não se inspira na musa para a compor seus poemas, essa musa maior chamada de Natureza, sua composição corre o risco de se tornar um amontoamento de palavras. A Natureza é poesia, porque a Natureza é a imagem de Deus. Deus é poesia. Por isso, o nascer e o entardecer carregam consigo toda a poesia divinal.

         Mesmo sendo criação do Divino, em dias umedecidos pela chuva, a madrugada e o entardecer não são notados em seus plenos encantos, mesmo que carregam consigo beleza e inspiração, como iguais aos dias esbraseados pelo Sol.

         A hora do meio dia tem sua poesia, sua beleza e inspiraram, mesmo sem carregar consigo a suavidade do amanhecer, nem a candura do entardecer com seus pássaros que buscam o agasalho em árvores para o repouso na noite. É quando o homem se recolhe para o descanso noturno, e com ele as imagens poéticas que o dia possibilitou recolher.

         A babugem rejuvenesce com o frescor das madrugadas. Eu carrego comigo o amanhecer do campo, não esqueço dos pássaros quando despertavam com a vegetação aberta pelo orvalho rejuvenescedor no alvorecer. Em Tapuio, era inesquecível o momento quando o gado mugia aos raios do sol que apareciam por entre os galhos dos arbustos, se esparravam pelas encostas e se espalhavam pelos baixios.

         Eu sou um homem madrugador, hábito que aprendi com meu pai quando criança. Madrugador como um camponês que conhecemos pelo modo de andar e de estar nas solenidades. Um camponês que mais observa e menos fala. Recordo as palavras atribuídas a Rui Barbosa quando afirmou que as pessoas devem dormir cedo como pássaros e acordar antes do sol despontar.

         Sem nunca ter lido algum texto deste homem considerado a “Águia de Haia”, mas que conhecia de ouvir dizer, meu pai começava o dia como Rui orientava. Nas madrugadas silenciosas de Tapuio, sítio onde morava, sem que a brisa o incomodasse, com chapéu à cabeça, percorria o curral, observava a lavoura sorrindo com a brisa fresca. Silencioso, ele contemplava os poemas que a Natureza construía. Por isso papai nunca desejou sair do lugar onde nasceu, cresceu e construiu a paisagem que alimentou sua numerosa familiar, se é que podemos chamar de numerosa uma prole de doze filhos.

Vindo morar nesta cidade, eu trouxe comigo a mania do madrugador.

Quando morava em Tambiá, tinha o privilégio de escutar a brisa que umedecia as plantas do horto florestal da Bica. Ao sol do entardecer, conhecia os raios que abriam como espadas os galhos das árvores.

         Era um tempo, no começo dos anos de 1970, em que podíamos andar pelas ruas com a camisa aberta ao peito, meditar recostado ao tronco do ipê sem medo de ter assaltado. Os arredores da fonte da Bica permitiam esse deleite.

          Vivia esse restinho do clima de paz nos anos de 1970 na cidade, e nos espaços verdes das praças e na Bica me abastecia das lembranças de minha terra. Sem nunca esquecer as madrugadas iluminadas de Tapuio, nem tão pouco as tardes quando corria em cavalo de pau pelo terreiro, para recolher a boiada imaginária.

Ao ler poemas ou recitar orações, em cada verso, o silêncio nos fala. As orações e certos poemas colocam música no meu silêncio. Entre uma palavra e outra, uma voz que somente nós ouvimos, nos fala de coisas que podemos transformar em poema. Silêncio em que Fernando Pessoa (Ricardo Reis) encontrava “um Ser qualquer, alheio a nós”. Feliz quem o encontra.

As manhãs e os crepúsculos contêm orações. Gosto de observar esses momentos porque trazem emoção e fecundíssima visão que ajudam a mitigar a penúria do poeta. Os silêncios desses momentos contêm orações. Nos intervalos do silêncio de cada amanhecer ou no final da tarde, precisamos ouvir a voz da emoção dentro de nós. Nas duas ocasiões, silencioso, faço minhas orações e recito meus poemas prediletos, que nunca foram publicados.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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