João Pessoa, 09 de agosto de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Compulsando a série Pontos de vista, de Wilson Martins, vejo que o grande crítico se ocupa, aqui e ali, dos autores paraibanos. Alguns deles, sobretudo os maiores, merecem páginas de relevo exegético que fazem jus ao seu consagrado labor literário. Augusto dos Anjos, José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Ariano Suassuna são lidos e analisados na perspectiva intrínseca, estética por assim dizer, assim como também, levando-se em conta os possíveis senões que maculam a harmonia geral na hierarquia das palavras.
Talvez fosse interessante, considerados os pormenores comparativos, aditar a esses artigos e ensaios, coligidos nos Pontos de vista, o que o crítico escreveu, já em viés historiográfico, nos sete volumes da História da inteligência brasileira, ou, no que concerne ao autor de A bagaceira e ao autor de Banguê, o que expõe em O modernismo, sexto volume de A literatura brasileira, obra coletiva, publicada pela Cultrix em convênio com a USP – Universidade de São Paulo.
Além desses escritores, que têm cadeira cativa na história literária e que transpuseram as fronteiras provincianas devido, certamente, a qualidade artística de suas respectivas obras, muitos outros nomes aparecem, visualizados, no contexto literário e cultural da época, pela lente crítica, aguda e arguta, de Wilson Martins. Eduardo Martins é um deles.
No volume 10, em artigo intitulado “Os livros úteis”, páginas 287-289, o crítico chama-nos a atenção para a utilidade do livro de Eduardo Martins, José Lins do Rego: o homem e a obra (João Pessoa: s. e., 1980), ao lado do livro de Paulo Tavares, O baiano Jorge Amado e sua obra (Rio: Record, 1980).
Partindo da premissa de que “conhecemos mal a nossa literatura” e de que “a fascinação pelo recente e pela chamada ´vanguarda` compromete o sentido de uma tradição e nos serve de desculpa para ignorarmos o passado, Wilson Martins traz à tona o debate em torno da possibilidade das justas avaliações, situando melhor os escritores dentro das escolas e dos estilos literários, quer pela necessidade de manter a tradição, quer pelo esforço de com ela romper ou de a ela reinventar.
Sobre os dois livros afirma o seguinte: Eduardo Martins e Paulo Tavares “compuseram dois livros úteis, e até utilíssimos, eu diria mesmo indispensáveis, mas na pauta celebratória, selecionando apenas os textos favoráveis e encomiásticos, alguns deles anódinos e apenas pitorescos, com isso mutilando a figura ´crítica` dos romancistas”. Ao que arremata, “É o único defeito dessas obras”.
Observe-se que o crítico faz reparos, porém, o faz, depois de declarar o valor das obras. A crítica deve procurar ser objetiva, imparcial, honesta e compreensiva. A crítica não pode se transformar em atividade apologética. Apontar deslizes e falhas não significa desmerecer. Em âmbito literário, quer se trate de criação artística, quer se trate de tarefa ensaística e interpretativa, poucos exemplos atingem o ideal da perfeição.
Wilson Martins castiga mais o trabalho de Paulo Tavares, embora procure preservar o dado central da utilidade enquanto elemento propulsor do juízo crítico. Se existem, na obra dois pesquisadores, “informações factuais, aparentemente desprovidas de interesse literário”, admite, por outro lado, que tais informações “podem abrir novas avenidas de interpretação e modificar ´pelo interior` a nossa visão dos escritores”.
Sem dúvida!
No que diz respeito, em especial, ao livro de Eduardo Martins, reconhece seu mérito, “antes de mais nada por reunir material disperso, de difícil acesso e em grande parte esquecido, isto é, alijado da reflexão corrente sobre o romancista”. Ainda que lamente, ao final do texto, a ausência daquelas “vozes do debate”, soldando, melhor, as injunções críticas necessárias a qualquer obra literária, considera “erro grave”, contudo, “desprezar o que temos pela nostalgia do que não temos”.
Em síntese, no entendimento do crítico, o trabalho de Eduardo Martins, assim como o de Paulo Tavares, já contêm o suficiente para que “admiradores e adversários” possam fazer uma “releitura renovadora dos dois romancistas”. E isto, quero crer, já significa muito. Afinal, os livros valem principalmente pela contribuição que podem dar. Livros que nos levam a outros livros, fazendo-nos partir naquela viagem sem fim que é a leitura.
Eduardo Martins, leitor atento e disciplinado, deve ter tomado conhecimento desse ilustre registro, vindo de um dos críticos mais equipados intelectualmente da cena literária brasileira. Destacando o livro do ensaísta paraibano, dando-lhe a atenção merecida, como só a crítica isenta e legítima pode dar, Wilson Martins faz justiça a quem se dedicou, de corpo e alma, e diuturnamente, a estudar e a pesquisar a história da imprensa local, a prática das instituições culturais, a vida e a obra dos autores paraibanos, além do cultivo do verso e da tradução de poemas.
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OPINIÃO - 22/11/2024