João Pessoa, 03 de setembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Indiscutivelmente, o sentimento de reencontrar alguém que amamos é um dos mais genuínos que existe. Um reencontro é a possibilidade que a vida nos dá para fazer tudo diferente, é uma esperança que aquece a alma. O tempo nos afasta de pessoas em que acreditávamos que ficariam ao nosso lado para sempre. A vida é uma viagem cheia de surpresas, passamos por vilas, cidades, cachoeiras, bosques e florestas. Há horas que temos de enfrentar subidas, descidas, desfiladeiros, nos apoiamos nas curvas e tem instantes que percorremos retas e desafios que julgamos quase intransponíveis. De repente, nos deparamos com uma saída, outras plagas e paisagens como fossemos driblando os momentos que contribuem e ajudam o passar do tempo. Sem explicação e entendimento nos parece que o destino optou pela distância tornando-a um castigo e um tormento para quem, no fundo de seu coração, amou e desejou o reencontro, provando que o sentimento não acaba com o tempo e nem com a idade, ele sedimenta-se na certeza que foram feitos um para o outro.
Minhas colegas da hidroginástica todas já têm mais de sessenta anos. Constituem a turma da maior idade. Magnólia é uma delas. 77 anos e há dois anos somos colegas. Na última sexta feira ela chegou na academia com Victor, seu esposo, que tem 83 anos e o apresentou a todos nós. Após a aula ficamos conversando com a professora Shirley que ia esperar uma hora para ministrar a próxima. Ficamos, ela, eu e o casal. Para nossa surpresa, surgiu a pergunta da docente. “Quanto anos vocês têm de casados? ”. Essa pergunta veio a baila por acharmos o casal muito bonito, com amabilidade ao se tratarem de maneira afável e lhana.
A partir desse questionamento, eles descortinaram a sua história de amor que foi surpreendente. Disse Magnólia que morava no interior do Estado, na região do sertão, onde viveu sua vida. Seu pai era fazendeiro, proprietário em várias cidades. Gozava de muito prestigio no município. Tinha grande influência política. Conheceu Victor com 15 anos e ele com 21, no despertar da adolescência. A família de Victor era muito humilde. Sem estudo, ele, um rapaz semianalfabeto, vivendo do trabalho braçal e operário da fazenda de seu pai. Ao conhecê-lo, seus olhos se tocaram de cara e se apaixonaram um pelo outro, como na cena de um filme. Enamoraram-se, um amor puro que se restringia ao olhar e a um toque de mãos. O pai tomou conhecimento e de imediato proibiu o namoro ameaçando-o de morte. O pai de Victor, reforçando a proibição do namoro, deu-lhe uma surra. Na época, Magnólia foi convidada para fugir. Pensou, mas ficou temorosa do que podia acontecer de mal a ela e a Victor, desistindo da ideia. Faltava-lhe coragem de desobedecer seu pai, pois ela era filha única, possuía cinco irmãos, só ela de mulher. Diante do clima estabelecido ela abdicou da ideia de sair de casa.
Victor, desgostoso com a situação criada, triste e desolado, tomou a iniciativa de se evadir para o sul do país e escolheu São Paulo. Ficando ali iria sofrer em ver Magnólia casar com outro homem. Tinha que tentar nova vida, entendia que permanecendo naquela mesmice não havia perspectiva de progredir e queria mostrar ao senhor Pedro, pai de Magnólia, que seria um dia um doutor já que ela só poderia casar com um homem formado. Ela ficou no interior e fez os gostos do pai. Casou-se aos 18 anos, com um homem que tinha bens, da mesma classe social e do gosto dos pais. Realizou tudo como foi programado por eles, todavia, no seu coração sempre ele esteve guardado, não o via mais, não sabia onde estava, a distância e a ausência fizeram acomodar aquela situação imposta pela família. Mauricio, seu esposo, foi um homem muito bom, responsável, que a amava, só queria o seu bem. Com ele viveu 28 anos, teve três filhos, uma moça e dois rapazes. Aprendeu a amá-lo, respeitá-lo, ser mulher e mãe extremosa. Viveram uma vida de tranquilidade.
Victor, em São Paulo, engajou-se em serviço braçal. Servente de pedreiro, com muito esforço conseguiu trabalhar e estudar, fez o segundo grau, prestou vestibular para direito, passou, fez concurso público e foi trabalhar em Brasília até se aposentar. Nunca casou. Teve várias namoradas, mas em todas elas Victor procurava algum traço de Magnólia, alguma coisa que lhe atraísse, mas não encontrava. Faltava algo que não lhe encorajava assumir um casamento sem amor. Acreditava que o amor era a pedra fundamental para selar uma união. Magnólia, aqui na Paraíba, ficou viúva aos 46 anos. Maurício, acometido de enfarte fulminante veio a óbito, ficando ela com os três filhos. Criou-os, pois tinha boa situação econômica o que lhe permitiu oferecer educação de qualidade, formá-los e, adultos, casarem. Com 54 anos, oito anos depois da morte do esposo, eis que Victor decide voltar para Paraíba.
Aposentado, Victor decide retornar à Paraíba. Depois de sua saída nunca mais veio aqui, nem de visita. Decidiu encontrar os parentes que ainda residiam no interior com quem nunca mais tivera contato. Seus familiares sempre o visitaram em São Paulo, mas ele nunca aqui retornara. Sua vinda constituía para ele um reviver de passagem de sua vida que o fez sofrer e que estava evitando e não desejava lembrar. Conservava, mesmo com todo aquele tempo e distância, Magnólia em seu coração. Talvez a rejeição de vir era adiada porque havia embutido no seu âmago mágoas e recordações do passado, que não conseguira apagar. As cicatrizes ainda estavam presentes.
Quando chega ao seu torrão natal outro Victor, muito bem de vida. Em contatos com parentes e amigos encontrou uma moça sua amiga na juventude. Conversa vai, conversa vem, ele perguntou a Rita: “E Magnólia? Fale-me dela? Rita fez o relato da vida da amiga dizendo de sua viuvez muito nova e que já fazia oito anos do acontecido. Vivia sozinha em João Pessoa, num apartamento, os filhos já casados, todos bem. Victor manifestou o desejo de revê-la, ver como estava, de conversar como um amigo etc. Foi quando Rita disse: “Vou perguntar a Magnólia se posso dar seu telefone e o WhatsApp para vocês conversarem. Assim que ele saiu, Rita tocou o telefone para Magnólia dizendo; “Você não sabe quem esteve aqui? Disse que nem sonhava e imaginava. Victor! Ela respondeu: “Que Victor? “ Aquele que morava aqui e que foi seu namorado. ” Rolou um papo e Rita deu todas informações; que Victor ainda permanecia solteiro, era agora um doutor, estava aposentado e muito bem de vida. Diz Magnólia que “me bateu logo um frio na barriga”. A maior preocupação era Victor vê-la mais envelhecida e ele talvez quisesse encontrar aquela jovem de 14 anos com toda sua exuberância de jovialidade, o que não mais existia. Preocupava-se que podia decepcioná-lo, ele achá-la feia etc. No mesmo dia ela recebe um oi no WhatsApp de Victor. Conversaram bastante atualizando tudo que ficou para trás e o ocorrido em suas vidas. Procuravam explicações e justificativas para os fatos, mas naquele momento a vontade era recomeçar e tratar de ganhar o tempo perdido em que os dois estiveram distantes um do outro. Este foi o sentimento predominante. Tinha deixado apartamento, carro e toda sua vida em Brasília, mas, a depender, estava disposto a vir de vez para a Paraíba. Ele reservou hotel na orla do Cabo Branco e veio para Joao Pessoa. Convidou-a para jantar pois era seu desejo revê-la. Ela falou: “Fiquei muito nervosa, transpirava muito, aquele estado de ansiedade tomou conta de mim”. Propôs fazer um lanche da tarde em uma cafeteria. Ele aceitou. “Sai para me encontrar com ele, parecia uma adolescente. Seria o primeiro encontro e sua preocupação residia em sua aparência que já não era a mesma, hoje mulher, com filhos, vivida, portanto, mudara muito. Foi ao encontro e ele já estava lá. Sua mão estava gelada, suando e o coração batia acelerado. Disse que parecia um namoro quando tinha 14 anos. Nesse momento ela com 54 e ele com 60. Ao conversar com Victor ele fez suas confissões: “Eu nunca a esqueci. Você foi a mulher que sempre tive em meu coração. Esses anos todos, não consegui casar porque sempre procurava nas mulheres algum traço, algo que lembrasse você e não achava. Nessa etapa da vida pedia a Magnólia que lhe desse uma chance para tentar um recomeço”. O desabafo de Victor deixava Magnólia muito apreensiva, pois a situação, hoje, era outra, tinha que dar satisfação aos filhos. Entenderam que era preciso haver cautela para não haver precipitação e assim ele passou um mês aqui, saiu do hotel e foi para um flat, conversando com Magnólia que se preparava psicologicamente, porque aquela situação a deixava preocupada e apreensiva para tomar uma decisão diante da incerteza se esta atitude iria dar certo. Victor na conversa falou sério para ela: “ Magnólia, não temos mais tempo a perder, eu desejo viver o que não vivi com você. Casar e aproveitar o tempo que ainda nos resta. Quero pedir você em casamento a seus filhos, a gente tem que se assumir um para o outro”.
Em face da imposição e das intenções de Victor, Magnólia marcou uma reunião com os filhos, só eles, sem as noras e o genro, só os filhos. Nessa reunião relatou a parte de sua vida que os filhos não conheciam a respeito de Victor. Confessou a eles que o pai deles foi um grande companheiro e que ela se sentia muito zelada e bem cuidada por seu ex-esposo. Durante sua vida com ele sempre o respeitou, sempre o acatou e o considerou, mas nunca ele foi seu amor e sim um companheiro e amigo, o amor da sua vida era Victor que foi proibido pelos seus pais e que agora tinha aparecido em sua vida e via uma chance de viver a união que fora proibida, mas sempre desejada”. O filho do meio ficou apreensivo, refletindo se isso ia dar certo? Mas os filhos, o mais velho e a moça, de logo apoiaram dizendo: “Nós concordamos plenamente com esse casamento, achamos que vocês devem seguir a vida, fazer o que desejam. A senhora foi uma boa mãe, carinhosa, responsável e nunca deixou nos faltar o carinho e apoio que necessitávamos. Deve seguir a sua vida”.
O casamento foi realizado com uma cerimônia civil e religiosa como sonharam. Ela, com 55 anos, e ele, com 61. A celebração foi simples, mas muito significativa, com a participação de todos os familiares. Juntos até hoje, ela com 77 anos e ele com 83, seis anos mais velho. Os netos dela chamam-no de avô e nutrem carinho e apreço por ele. Também toda família. Vivem em harmonia, numa felicidade estampada para todos aqueles que os conhecem. Victor, ao terminar a conversa, fechou com a seguinte afirmação que deixou todos nós atônitos: “ Se Deus quiser me levar, pode me levar hoje que sou um homem completo, porque esses últimos anos que vivi com Magnólia foram suficientes para me fazer um homem feliz e realizado”. Magnólia estava ouvindo e disse: “ Pare com isso Victor, pois ainda vamos viver muito”. Quem não gostaria de viver um amor tão puro e verdadeiro quanto o de Victor e Magnólia?
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP
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TURISMO - 19/12/2024