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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Esse glutão do tempo

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publicado em 08/09/2023 ás 07h00
atualizado em 07/09/2023 ás 23h57

Em 1970, aos 9 anos, percebi que a preguiça era grande para eu me ocupar com a enxada naquele solo causticante da Serra do desterro, no alto sertão da Paraíba.

Magérrimo e alérgico às coisas da força física, eu era um matutinho fantasioso e, para piorar, meus pais eram analfabetos. Tirando o amor, não possuíam outra coisa para me oferecer.

Diante desse descompasso, eu havia de inventar os sonhos. O palco ainda mora lá: as conversas com o riacho Pé de serra, o espinhaço rasgado nas ripas dos marmeleiros, o cheiro do terreiro da velha casa, os causos contados por papai, as orelhas de pau (bolo) nos dias de reisados, os campinhos de futebol…

Eu só queria soletrar “LTDA”, mas ninguém me ensinara a juntar as consoantes. Esse desejo perdurou até os 18 anos, ainda na zona rural, já dono de alguma expertise: compreendendo a famigerada sigla e aprendendo, à luz de lamparina, razão e proporção por uma apostilha para o concurso do Banco do Brasil, comprada à custa de muitos ovos de galinha capoeira.

Passei por muitos bancos escolares: as frentes de trabalho nas estiagens, as enchentes inoportunas do Rio do Peixe, as injeções aplicadas nas m    ulheres dos cabarés de Sousa e por todas as PRO-PA-RO-XI-TO-NAS da vida, sem acento mesmo.

Soletrar a sigla LTDA e a disposição em entender como o acento agudo transformava as minhas PRO-PA-RO-XI-TO-NAS em proparoxítonas sonhadoras trouxeram-me até aqui.

O caminho foi mais íngreme do que as veredas cheias de mutucas do sítio saco sinhazinha; o cansaço, mais forte do que a esfoliação dos dedos na cata do algodão; o desânimo, maior do que a desistência em ser doceiro; a decepção, igual à do representante da Coca cola que negou ao adolescente magrinho o emprego de carregador de engradados.

Hoje, dia 5, rasgo mais uma fatia do tempo, afoito para decifrar outras siglas rabugentas, ainda que estrambóticas e, se o juízo permitir, montar no lombo de outros sonhos, afinal eu também sou uma PRO-PA-RO-XI-TO-NA desse mundo de meu Deus!

@professorchicoleite.

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