João Pessoa, 13 de setembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A sextilha é pouca.
A décima, desta vez,
não me serve.
O soneto, suprassumo
da forma, não caberia.
Muito menos
o oitavão rebatido,
o martelo alagoano,
o decassílabo que sei
de cor,
sáfico ou heroico,
na cesura de meu coração.
Que devo cantar?
O que canto ainda não tem
a medida do verso.
O verso que vai e volta
como o ciúme, a tristeza,
o desejo de pegar a beleza
com as mãos,
como se pegasse uma pitanga
que guarda o aroma
esverdeado da poesia.
Que gramática não se curva
à sua caligrafia de espantos?
Nem as imagens me servem
nesta hora de agonia.
Talvez o martelo agalopado,
a gemedeira ao pé
de um enjambement.
Talvez, quem sabe,
os dentes do verso livre,
a língua do verso branco,
aquela metáfora tresloucada
que me diz que a vida é quase
um repente, um velho poema
que se deixa por fazer.
Vim de Panelas,
agreste que me deu sangue
e voz,
voz e nome,
nome e nomenclatura,
nomenclatura e genealogia,
nome e poesia.
Palma miúda, palma gigante,
casa de maribondo, esqueleto
de vaca na caatinga,
e já dedilhava o silêncio
das formigas na música
do poema.
Cantei, um certo dia,
a morte do vaqueiro.
Desafiei meus pares
para um duelo de melodia.
Ivanildo vinha de lá,
tropeiro das cordas de ouro,
soluçando os ventos
da Borborema,
o sexo molhado da Serra.
Venturini galopava
a égua alucinada da poesia.
Dimas banhava, no Pajeú,
a pequenina pepita do ocaso.
O nego Inácio ressuscitava
no limpo lençol das palavras.
Romano namorava os seios
das algarobas. O crepúsculo
se desfazia.
Pinto cuidava de seus canteiros
nas estrofes de Monteiro.
Monteiro, ruas largas,
melancolia, o mais fino
canário da terra, o cavalo
rudado, o cavalo baixeiro.
Oliveira, é dessa grei
de eleitos e de deuses.
Grego e troiano, Aquiles,
Odisseu.
Aedo ardendo sob o frio
das metrópoles.
Menestrel no burburinho
das cidades.
Voz poderosa que a todos
canta, encanta.
Canta, sim, o meu medo,
a minha angústia, os meus
descuidos, a métrica que gozo,
o orgasmo da cantoria.
Quando vejo Oliveira,
vejo um deus que dança
decretando os passos
do paraíso.
Sua voz me lembra
a nota melhor do relâmpago,
a goteira pingando
nas cacimbas de minha alma,
o cheiro do leite da novilha,
Neblina,
a coalhada do sonho,
com cuscuz e carne assada.
Quando ele fala,
todos se calam para ouvir
a sinfonia misteriosa
que vem do ventre da terra,
a cópula dos insetos
dentro da lua,
a lua que se deixa penetrar
pelo sol do último solitário
da noite,
os adágios da noite,
de toda nossa vida.
Quando ele canta,
no repente da viola,
viola certas regras da rotina.
De repente, o pau é pedra,
a pedra é pluma, a pluma
é lume, o lume
se espalha pela bandeja
da solidão,
a solidão se faz canção
a louvar a luz
das coisas mortas.
Quem é Oliveira?
Fenômeno da natureza?
Um poeta?
Um estranho goliardo
na mecânica dos mercados?
Não, não, não.
Oliveira é a própria poesia.
De repente, Oliveira,
deus sonoro, desce dos céus
na garupa do último mote.
Que história não é mito?
Oliveira, filho de Panelas,
não teme a vida, não teme
a morte,
e tem, pela frente, apenas
o infinito.
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OPINIÃO - 22/11/2024