João Pessoa, 20 de setembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O jurista Júlio César Moura fez uma homenagem ao desembargador João Benedito, presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, e sua esposa, a defensora Maria da Glória, onde narra peculiaridades inerentes à personalidade do casal.
Confira o texto na íntegra:
Na discrição, e mesmo quase no anonimato, é que iremos encontrar nossas personagens. Nas tardes bucólicas, não obstante urbanas, vivenciadas na Cooperativa Cultural Universitária da Paraíba, mais conhecida atualmente como Cooperativa de Línguas da UFPB.
Acumulando a condição de ser o mais vetusto e, de forma concomitante, o mais jovial da turma, o desembargador João Benedito da Silva, acompanhado de sua inseparável Maria da Glória, defensora pública e, principalmente, sua esposa.
Eu estudava inglês e francês na CODISMA e na UFPB e espanhol apenas na UFPB. Os encontros do inglês na Cooperativa me proporcionaram, todavia, a melhor turma discente não em termos de placement do nível do idioma, mas em termos do nivelamento do ser humano qua talis. Ou, como estamos aludindo ao inglês, do ser humano as such.
Pela minha formação jurídica, eu já conhecia o desembargador, mas apenas por este motivo, pois na Cooperativa ele nunca se apresentou como tal. Muito ao invés, o seu recato por vezes diminuía a fluência com que fornecia informações requeridas pelo próprio conteúdo programático da aula.
Em verdade, considero que esse encalistramento na realidade é uma expressão que muito bem poderíamos cunhar o casal João Benedito e Maria da Glória: lhaneza. Nunca vi uma pessoa subsumir ao conceito de uma palavra, tal como um fato é subsumido a uma norma jurídica, do que a subsunção deste casal ao conceito de lhaneza.
Presenciei em certa reunião discente D. Maria da Glória verter o rosto em colorações diversas quando alguém resolveu perguntar qual era o cargo do seu esposo, visto que ele havia pedido licença e saiu da sala para resolver uma demanda. Ela fez um esforço sobre-humano para não falar, deu de ombros, olhou para os lados, mas como não quis ser indelicada com o interlocutor, falou pausada, com embargo, e em tom que quase ninguém ouviu as últimas sílabas: – De-sem-bar-ga-dor.
Em nossas confraternizações, a única proeminência que víamos no De-sem-bar-ga-dor (vou reproduzir bruxeleante também) era a da humildade, quando me designava chefe da missão de encontrar os melhores lugares, restaurantes, para a promoção do nosso sarau de xenoglossia: – O que Júlio decidir, está bem-feito, pois ele entende o que faz.
Entre os cooperados dessa magnífica Cooperativa de Línguas, há pessoas de variegadas origens, tanto no plano social, quanto geopolítico. Tivemos a riqueza de conviver com imigrantes oriundos até de outros continentes. Mas aqui vemos que, independente de nossa classe social, ou de nossa origem geopolítica, todos podemos nos encontrar quando olhamos para nossa essência comum, que é a de ser humano propriamente dito.
Nesse sentido, Desembargador João Benedito, quando eu iria me dirigir para pagar a conta, discretamente dava a cota-parte dos cooperados imigrantes, sem sequer comunicar a eles. Recordo-me que um dos beneficiados olhou para mim questionando que, apesar de não ter efetuado o pagamento, sua cota estava quitada. resumi-me a dizer para ele: – You deserve.
Para ser sincero, expor-me pelo avesso, digo que essas situações não saem da minha cabeça, expressão de uma solidariedade cristã ensinada por Aquele que chegou às últimas consequências na morte vicária de cruz e, no alto do suplício do madeiro, teria sido em hebraico ou aramaico: “Está pago”, traduzido hodiernamente como “está consumado”.
O Filho de Deus, que chamava a si próprio de Filho do Homem para nivelar o valor do ser humano a nível jamais visto antes na história da humanidade. Com Cristo, o ser humano pôde parar de ambicionar-se ser um deus pela condição de poder que um indivíduo tenha alcançado nesta vida, pois o próprio Deus decidiu ser também homem como nós e pôs fim à ilusória pretensão humana.
Haveria muito mais o que relatar. Desembargador João Benedito e sua esposa pegavam seu carro particular, ele como motorista, e iam deixar em casa os colegas que não tinham condições de pegar condução após os encontros. Certa ocasião, chegou a se perder num dos bairros da zona sul de João Pessoa, mas apenas sossegou quando o casal conseguiu deixar todos na porta de suas respectivas residências, tarde já sendo a noite, a quilômetros e quilômetros de distância da própria residência do casal.
Em todos os tempos, e não apenas neste momento em que vivemos, os homens públicos deveriam ser as primeiras referências para o conjunto da sociedade por meio de seus exemplos. Não apenas pelo que falam no privado ou pelo que pregam publicamente, pois o adágio popular é tão antigo como a sabedoria que traz em seu bojo: “a palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Prova da eficácia desse brocardo é a pessoa de João Benedito da Silva que, mesmo sendo um homem silencioso, sua conduta arrasta todos os que puderam conviver no âmbito de sua maneira de ser. De ser humano.
Júlio César Moura, jurista e, especialmente, discente UFPB/Codisma
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OPINIÃO - 22/11/2024