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Livro que reconstitui a história do Secos & Molhados ganha nova edição

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publicado em 23/09/2023 ás 12h10
atualizado em 23/09/2023 ás 18h17

Kubitschek Pinheiro

Fotos Denise Andrade e arquivo

Você conhece a história do grupo Secos & Molhados, a banda formada nos anos 70, por João Ricardo, Gérson Conrad e Ney Matogrosso?  A mais moderna, que emplacou rapidamente e afrontava em suas aparições, em plena ditadura militar? Quem conta tudo é o jornalista e escritor Miguel de Almeida, autor de “Primavera nos Dentes: a História do Secos e Molhados”, – com esquadros, cenas reconstituídaem textos, de uma das bandas mais  influentes da Musica Popular Brasileira. A segunda edição atualizada (2023) do livro Miguel Almeida, tem o selo da Record e está em todas as livrarias do país.

De toda importância, o livro “Primavera nos Dentes”, que já podemos chamar de biografia da banda Secos & Molhados, com ao acressimo de seis novos capítulos O autor Miguel de Almeida viu quase tudo de perto, as imagens descritas, lá dos anos de chumbo, quando ele era bem jovem. Almeida trabalhou na Folha de S. Paulo no final dos anos 1970, período em que a vida cultural do Brasil vivia ainda sob muita influência dos movimentos contraculturais. Vem dai a fonte do livro e muito mais. O livro é, na verdade, um documentário. 

No início, era apenas João Ricardo, poeta e compositor, que fundou uma banda acústica que se apresentava em um bar no Bixiga, bairro boêmio de São Paulo, onde estavam situadas várias casas de espetáculo importantes na cena cultural paulistana. 

É também um livro reportagem, que se destaca num texto que fluiu  também focado nas performances que fez a cabeça de muita gente, até hoje, 50 anos depois.  O álbum de estreia do grupo homônimo foi lançado em agosto de 1973. 

Está lá no livro, como se deu a procura de João Ricardo por um vocalista e veio a indicação certa  –  Ney Matogrosso que topou, o Ney que já vinha do teatro paulista, que queria ser ator. E conseguiu as duas coisas – ator, cantor, iluminador e muito mais. À dupla, se juntou com Gérson Conrad, estudante de arquitetura. 

A banda usava nas bases instrumentais o soft e o hard rock já experimentados nos anos anteriores. Ney entrou com a voz imensa, suas coreografias sexy e uma concepção plástica impressionante. Nascia ali a aparição de Ney nos palcos do mundo, transgressivo, provocador e ousado até hoje.

Em conversa com o MaisPB, o autor conta muito mais sobre essa obra de arte que um dia foi chamada de “Secos & Molhados” que não pode faltar na leitura de quem gosta de música, teatro, cinema e literatura.

MaisPB – Vamos começar por aqui – como você conseguiu fazer um livro tão bom, com uma banda melhor ainda?

Miguel de Almeida  – Que bom que gostou do livro. Deu bastante trabalho. Muitas entrevistas, horas de conversa, mais inúmeras pesquisas em livros, filmes, séries, leitura de jornais da época, além inclusive de lembranças. Usei várias fontes, como se percebe. Quando digo lembranças, me refiro a conversas que tive ao longo de anos com personagens que viveram aquela época, como Raul Cortez, Ruth Escobar, Antunes Filho, Sergio Mamberti, entre outros vários. Eram amigos que contaram episódios diversos do Brasil, de São Paulo e Rio – parte destas conversas aconteceram não para ser material do livro; eram histórias contadas entre amigos. Depois consegui ótimas entrevistas, não apenas com o pessoal da banda, como ainda de pessoas próximas, que haviam acompanhado aquela efervescência musical.

 MaisPB – O livro é amplo, cheio de informações, de loucuras, nenhuma loucura só da banda, mas da plateia, os seguidores de antigamente, a interminável fila dos fãs em casas de shows lotadas, para conhecer a novidade que se chamava Secos & Molhados. Isso é impagável, né?

 Miguel de Almeida  – A banda foi o maior fenômeno da nascente indústria cultural brasileira da época. Bateu todos os recortes. Esteve em todos os programas de TV, foi capa de inúmeras revistas, mereceu comentários e reportagens em todos os jornais, era figura constante nas rádios, era difícil escapar deles. De crianças a pessoas mais idosas, homens, mulheres principalmente, a plateia de fãs vinha forrada de todas as faixas. Nas festas infantis, surgiam várias crianças fantasiadas de Ney Matogrosso, imitando também sua dança sob O Vira. 

 MaisPB – A primeira versão de seu livro é de 2019 – agora ele sai pela Record atualizada – entrou muita coisa?

Miguel de Almeida   – A nova edição possui seis novos capítulos. Traz informações importantes a partir de novas entrevistas que foram feitas. A começar por Henrique Suster, que foi segundo produtor da banda, contratado por João Apolinário. Suster traz uma versão isenta do que foi o final do S&M. Aponta o dedo principalmente para João Apolinário, pai de João Ricardo. A nova edição traz ainda uma relação importante entre o teatro da época e a mpb. Sem o teatro, dificilmente teria havido uma safra tão boa de compositores. Vale lembrar que Chico Buarque começou no teatro, fazendo trilha de Morte e Vida Severina – peça produzida por Henrique Suster, que depois será produtor do S&M. 

 MaisPB  – Uma coisa bacana de seu livro é o feedback, mesmo com a aparição da banda em plena ditadura militar, mas as mulheres dos militares gostavam muito de ir aos shows. Um sinal de bom gosto e gosto não se discute, né?

 Miguel de Almeida  –  O Brasil é conservador mas nem tanto né? As mulheres se empolgavam com a performance principalmente de Ney, com sua sensualidade. Isso já mostra a loucura brasileira, a esquizofrenia conservadora. Temos de lembrar que à época o país vivia sob uma ditadura militar do tipo carola, papai-e-mamãe; era um tempo em que não havia divórcio e a Igreja Católica tinha um poder muito grande sobre a sociedade e as autoridades. Não era só o Brasil, temos de ser justos. Na década de 1970 explode a pauta de liberdades pessoais que fora gestada na década anterior – a questão de gênero entra forte nas discussões e no cotidiano ocidental. É tempo do Gay’s lib, a partir de cidades como Londres, NY ou São Francisco. Também entra no radar os direitos femininos. É uma baita ebulição. No Brasil, Secos & Molhados e Dzi Croquettes, com alcance maior da banda, vai chamar atenção para tais questões. 

 MaisPB – Como se deu as entrevistas, as conversas, os colaboradores dessa obra de quase 400 páginas?

 Miguel de Almeida   – As entrevistas se deram ao longo de cerca de dois anos, presencial e digitalmente. Em telefonemas diurnos, noturnos, emails às pencas, mensagens em centenas. Tenho de deixar registrado o auxílio fundamental de Paulo Mendonça, poeta, autor da letra de Sangue Latino, como personagem importante na feitura do livro: ele me ajudou com dezenas ou centenas de informações, dicas, lembranças, contatos; depois, Monica, sua mulher, também colaborou imensamente no levantamento iconográfico, com registros do acervo pessoal do casal e de amigos próximos. Ney também foi alguém especial, sempre respondendo às minhas dúvidas de acontecimentos. Gerson Conrad, idem: sempre muito presente e gentil. Estive ainda várias vezes com João Ricardo, que me contou sua versão do período, e me esclareceu dúvidas.  

 MaisPB  – Aliás, a ideia e está lá no livro, seria a biografia da banda, inclusive já foram lançadas umas três ou 4 só de Ney Matogrosso. Seria sim, o Ney, a estrela maior da banda, quando era Seco & Molhados?

 Miguel de Almeida  – Sem dúvida Ney Matogrosso foi a grande estrela do grupo. É ele quem dá o tom, a cor e a sintonia a partir de sua performance e figura. Sem falar de sua voz especial. Como também de suas interpretações marcantes.

 MaisPB  – Seu livro traz fotografias incríveis, do pessoal de teatro – muita gente influenciou a banda como Luhi, “o anjo que indicou Ney para o S&M”. Vamos falar sobre isso?

 Miguel de Almeida  – O teatro foi fundamental para o surgimento da banda. Arena, Oficina, Tuca, entre outras companhias e produções. O teatro foi literalmente palco de lançamento ou de produção para artistas diversos como Chico Buarque, Edu Lobo, até mesmo os sambistas como Zé Kéti e Nelson Cavaquinho. O Opinião é marco nesta trajetória. Assim como no mesmo período o Arena, com peças como Arena conta Zumbi – música do Edu com Guarnieri.  

 MaisPB – Vamos falar do período em que Ney se “exilou” no Jardim de Alah quando o grupo morreu. Foi dali que nasceu o Ney, batizado do Paulo Mendonça?

Miguel de Almeida  – Não, o nome Ney Matogrosso foi sugerido por Paulinho alguns anos antes, quando Ney era conhecido apenas como Neyzinho – como aliás ele aparece em suas primeiras gravações, feitas para produções onde Paulinho era co-diretor ou roteirista. 

 MaisPB  – Recentemente nos especiais do Fantástico 50 anos, apareceu Ney para falar dos 50 anos do disco e lá para as tantas, o repórter perguntou se ele toparia repetir a cena – e, claro, Ney disse não, que “não existe mais os Secos & Molhados”. Pelo menos no seu livro a banda continua um marco na histórico deles, né?

 Miguel de Almeida  – Os 50 anos da banda mostram a vitalidade de sua obra. Acima de tudo o acerto na escolha dos poemas, no drible que deram na censura militar da época, ao falar de temas como bomba atômica ou a postura andrógina do grupo.

 MaisPB – Vamos contar ao leitor que não teve acesso ao seu livro, o show de fevereiro de 1974, uma apresentação para 20 mil pessoas no Maracanãzinho, no Rio, sendo que mais 20 mil pessoas ficaram do lado de fora, sem conseguir comprar ingresso e, naquele tempo nem tínhamos telões?

 Miguel de Almeida  – Foram 20 mil pessoas dentro e outra quantidade do lado de fora, sem conseguir comprar ingressos. Até então jamais um único artista havia reunido tamanha plateia. O interessante é que o espetáculo vale como marco, mas todos os presentes reclamam da qualidade sonora, que era muito ruim. Porque não havia no Brasil tecnologia adequada para uma única banda conseguir sonorizar o Maracanãzinho. Desconfio que não existia tecnologia para qualquer ator no Brasil. Frejat me conta na série que fiz a partir do livro que na o Barão Vermelho, seu grupo, sofreu muito com qualidade sonora na década seguinte, de 1980. Portanto, dez anos antes a coisa era bem pior. Mas ficou na memória o recorde e o alcance histórico da performance do grupo: podemos dizer que ali nasce no Brasil a indústria cultural de shows para multidões. Um dos inúmeros recordes aliás da banda.

 MaisPB –  Seu livro mostra bem o talento de Ney. Neste mês de setembro, Ney esteve em João Pessoa pela segunda vez com a turnê Bloco na Rua e, aos 82 anos, o artista faz o quer no palco, além da voz perfeita. Isso é uma prova de que Ney tinha que fazer carreira solo e brilhar intensamente?

Miguel de Almeida  – Sem dúvida. Ney é uma das maiores estrelas da MPB de todos os tempos. Não apenas de agora. Sua contribuição é imensa.

 MaisPB – Você tem outros livros. Tem projeto para lançar em 2024?

Miguel de Almeida   – Estou levantando material para um livro sobre a censura às obras artísticas no período da ditadura militar. É uma obra para mostrar como os criadores venceram a repressão.

 

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