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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Poetas que leio

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publicado em 27/09/2023 ás 07h00
atualizado em 26/09/2023 ás 18h41

 

Eli de Araújo é filho de Myriam Coeli e traz a herança do DNA poético em linhagem materna. Norte-rio-grandense, com formação em física, matemática, direito, letras e filosofia, é uma das vozes contemporâneas da poesia de sua cidade e região, entre tantas outras, a selar o vigor de uma tradição lírica das mais expressivas do Nordeste.

Ando às voltas com a química de seus versos, distribuídos em títulos, como Poemario , reunião de cinco livros publicados e alguns poemas inéditos (2016); Catábase (2021) e Um sol de sal (2022).

Faço referência à diversidade de seus saberes científicos porque sei, a partir de Roland Barthes, da relevância da mathesis, isto é, dos conteúdos cognitivos que invadem a textura da expressão literária, em fusão com a mimesis e a semiose.

Diria, a princípio, que sua poética, marcada por um viés de índole construtivista, não é de leitura fácil. À disciplina crítica diante da linguagem se associa a força de um pensamento complexo a comportar o movimento circular dos grandes e permanentes motivos da alta literatura ocidental.

A condição humana, com todos os seus percalços, surpresas e perplexidades, assim como a morte, a vida, o mar, a poesia, o tempo e outros apelos temáticos recorrem sempre nas oscilações da condensação e do deslocamento que seus versos exercitam no corpo dos poemas.

Seus textos, em que pese o dado emotivo consubstancial e intrínseco à natureza do poético, são quase sempre mentalizados dentro de uma lógica pensante, cerebral, crítica, filosófica, intertextual, o que me parece imprimir, à sua dicção, certa índole especulativa e questionadora. Tudo isto, com sedimentos na palavra precisa, no verso contido, na economia de meios, a exemplo do que se pode conferir com a leitura do poema “Átomo”, de Um sol de sal, a partir mesmo das epígrafes tomadas a Patrick Kavanagh, Gerardo Mourão e Novalis: “fugidia a realidade∕mesmo quando estamos∕de acordo e∕queremos a conversação∕se só o que vemos∕e tocamos∕existe∕as palavras∕tangenciam as formas∕as envolvem e embrulham∕e imitam essas figuras∕como um inseto∕mimetiza uma folha seca∕e vira hai-kai”.

Poeta culto, poeta lido, Eli de Araújo exige um leitor lido e culto, capaz de caminhar, com ele e seus múltiplos eus poéticos, pelo emaranhado insólito das solicitações existenciais e pelo sofisticado paideuma que elege e com que dialoga na composição de seus poemas. Também na manufatura de seus traços imagéticos, pois o poeta da palavra é também um poeta das artes finais, das opções gráfico-visuais e das ilustrações. Seus livros, editados pelo selo “Sol Negro”, constituem, do ponto de vista material, genuínos objetos estéticos.

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Rafael Oliveira (foto) é goiano, radicado em São Luís do Maranhão há quarenta anos. O avesso abstrato das coisas (Guaratinguetá; Penalux, 2021) é seu livro de estreia. Mas, diria, de uma estreia madura e, sobretudo, com aquele ar de coisa nova e original.

Vejo, de logo, todo um alicerce unitário por trás, primeiro, dos componentes temáticos; depois, na pauta mais explícita do comportamento expressivo. Lá, a recorrência de teor monovalente em torno das doenças, transtornos, incômodos que tocam as criaturas humanas e remetem para o universo da medicina; aqui, a manipulação da bula da linguagem, naquilo que ela pode sugerir de sentidos colaterais e configurar no plano imagético da estesia.

O AVC, o mal de Parkinson, o infarto, o diabetes, a artrose, o pânico, a anorexia, a insônia, a amnésia, a velhice, o coma, a miopia, o bruxismo, a dermatite, entre outras mazelas da condição humana, são como que descritas e conceituadas sob um ângulo semântico heterodoxo e, ao mesmo tempo, transmutadas em matéria poética de fortes incidências líricas. Ora, filosóficas, ora irônicas, ora, quase surreais.

“a palavra treme no papel∕piora outro verso  ∕∕ ilegível∕poema” (“Parkinson”).  “esquecer a vírgula depois da manhã∕a tarde perde o sentido ∕∕ o pôr do sol não cabe∕na memória” (“Alzheimer). “não enxergava depois∕do azul do céu  ∕∕ apenas imaginava∕deus senatado∕sozinho∕sobre o nada” (“Miopia”). “a palavra pega mania∕de doçura  ∕∕ basta abusar dos sentidos∕no poema  ∕∕ tudo leva gosto∕de mel” (“Diabetes”).

Eis uma pequena mostra da arte minimalista de Rafael Oliveira.

Partindo de certos paradigmas discursivos convencionais, a exemplo, entre outros, dos textos “Receita para pressão alta” e “Dieta para obeso”, o poeta procura desconstruir a lógica convencional das palavras e injetar, por outro lado, na compreensão dos fenômenos malignos, o avesso de outras possíveis significações.

Se a poesia está em tudo, conforme Manuel Bandeira, e se a poesia, não raro, é um modo especial de olhar as experiências da vida, revelando a trama minuciosa daquilo que está oculto, daquilo que simplesmente é, mas daquilo que poderia ser, na lição do mestre Aristóteles, posso dizer que ela anda por dentro dos versos de Rafael de Oliveira, com novo sotaque e com nova indumentária.

 

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