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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

A conversa no taxi

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publicado em 01/10/2023 às 08h30

reginabô[email protected]

Numa viagem de duas horas, com uma amiga, ao interior do Estado, o motorista que nos levou era muito falante. Senhor de meia idade, demonstrava um certo grau de conhecimento sobre as coisas do dia a dia e princípios morais que dizia aplicar na educação que dava ao casal de filhos. Era versátil, transitava de um assunto para outro sem dificuldades, nos mais variados temas. Colocava-se politicamente e argumentava o porquê da sua posição, justificando e fazendo crer em sua verdade sobre a problemática do Estado e do País. Durante sua fala emitia propositura de solução e intervenção na complexa problemática existente, dizendo que se as medidas propostas fossem adotadas a situação não seria mais a mesma. Entendia que havia solução para tudo. Se as providências tomadas, não solucionassem de todo, mas minorava aquela realidade existente. Sr. Pedro fez-me lembrar um amigo de meu pai, empresário, que dizia para ele: quando estava muito angustiado com problema na empresa, pela manhã ao tomar o carro para o trabalho, Ricardo, há muitos anos seu chofer, homem de poucas letras, vivido e inteligente, aprendeu com a vida, o Dr. Farias durante o trajeto para o trabalho desabafava com ele e perguntava: “ Ricardo para esse problema da empresa qual seria a solução?  E sempre ele dizia, para meu pai que as coisas faladas por ele, quando aplicadas, davam certo. Comentava: “Ricardo, de cabeça fria sabia aplicar a solução mais assertiva.” E assim eu via Pedro o motorista que nos conduzia.

No limiar da conversa, Pedro nos narrou um pouco de sua origem. Filho de pais agricultores, vivendo no interior do Estado, seu pai, apesar de ser humilde e de poucos estudos, criou os quatro filhos dentro da religião católica, com princípios éticos, morais e cristãos que nortearam a sua vida. Possuidor desses ensinamentos procurou replicar a seus familiares acompanhado também pela esposa que recebera educação semelhante à sua. Apesar de não possuírem estudos formais, Pedro e Dayse sentiam falta desse conhecimento escolar. Essa condição fez com que o casal valorizasse o saber e fizeram um propósito de que com seus filhos seria diferente. Incentivaram e estimularam o estudo deles e fizeram esforços para os colocar em colégio que fosse comprometido com a competência do domínio do conhecimento.

Pedro, para ganhar a vida, enveredou pela profissão de chofer de taxi. No iniciou dirigia para os outros, mas hoje tem seu próprio carro e trabalha independente. Disse ele que dali tirou e tira o sustendo para manter toda família. Com essa profissão estabelecida, há anos é possuidor da vivência de casos interessantes ocorridos com ele e seus clientes, conhecedor de muitas histórias de suas vidas narradas durante o trajeto da viagem. Às vezes transformava-se em conselheiro ou psicólogo nato. Ele expressou que eram essas situações que tornavam sua profissão prazerosa e menos cansativa.

Dentre os casos disse, que ia nos contar um que fazia parte dele mesmo.  Estava ele de manhã, na praça, quando o telefone toca e pedem para apanhar um professor membro da Academia de Letras (APL) e de Instituições renomadas daqui da Paraíba, para transportá-lo a uma faculdade a fim de participar de uma reunião. O que aconteceu.  Ao chegar ao ponto da praça, de volta, ao olhar para o banco traseiro percebeu que o cliente esquecera uma pasta “sansonite”. Preocupado, pegou a pasta, que pesava muito. Pensou ele; “deve ter livros do professor. Vou voltar e entregar essa pasta. Pode ser que ainda pegue ele na Universidade”. Não deu outra. Chegando ao local onde deixara o professor o porteiro disse que o professor ainda permanecia na instituição. Então pediu para que o chamasse pois tinha uma pasta para entregar que havia esquecido no taxi. De imediato foi chamá-lo. Veio rápido mostrando-se apreensivo. Ao ver Pedro foi logo dizendo: ”Havia sentido a falta, mas não sabia como encontrá-lo”. Pedro disse: “não trouxe logo porque só dei conta quando estacionei no meu ponto”. O professor perguntou: “Você abriu? ” Pedro falou: “Não, professor, do jeito que deixou eu estou lhe trazendo”. O docente disse: “ Aí tem uma grande quantidade de dinheiro pois ia fazer um pagamento e documentos e certidões antigas, que seria muito difícil extrair outras. Estou muito agradecido a você. Quanto eu lhe devo? ” Pedro respondeu: “nada professor não fiz mais que minha obrigação”.  O professor insistiu e disse: “Você tem filhos em idade escolar? ” Pedro expressou: “ Tenho um casal, são crianças que estudam na escolinha do bairro. “ E o docente completou: “Tome aqui meu cartão pessoal; no dia que precisar de alguma coisa sobre a escolaridade de seus filhos fale comigo que eu ajudo”. Pedro despediu-se e saiu satisfeito porque estava consciente de ter praticado uma boa ação.

Passaram-se alguns anos. Os filhos estudavam em escola de bairro. Sheila, que era a mais velha, sempre se destacava como melhor aluna, muito estudiosa. Chegou o tempo de prestar exame vestibular para fisioterapia, foi classificada, em um dos primeiros lugares numa Universidade particular. Pedro foi fazer a matrícula e tomou um susto pois não teria condições de arcar com toda aquela despesa; o dinheiro apurado na profissão não dava para sustentar a família e pagar a faculdade, o que lhe sobrava era insuficiente. Foi quando se lembrou do professor que havia dito quando precisasse alguma coisa sobre o estudo de seus filhos ligasse.   Recordou que lhe havia dado o seu cartão pessoal. Ligou para o professor que, pelo telefone mesmo, disse que iria ver essa situação e em alguns minutos lhe daria um retorno. Ele pensou: “Ele nem vai responder e nem lembrar.  Não deu meia hora o professor ligou e orientou para que fosse à secretaria da faculdade, falasse com a secretária e se identificasse que ela sabia do que se tratava. A matrícula de Sheila estava feita e quanto à mensalidade pagaria apenas um terço, que era coisa pouca e estava a seu alcance financeiro. Durante o curso nunca lhe faltou nada; o professor acompanhava e facilitava tudo que surgia como dificuldade. Portou-se como um verdadeiro mestre. Sheila durante o Curso de Fisioterapia destacou-se como a melhor aluna, apresentando um desempenho de excelência. Colou Grau, sendo a oradora da turma. No desenvolver da oratória deu testemunho das dificuldades vividas por ela e sua família para que pudesse estudar. Ao adentrar no Curso de Fisioterapia contou com a ajuda do professor vinculado à Instituição e graças a ele todas as vicissitudes existentes foram superadas. Agradeceu emocionada àquele docente. Graças a ele pôde chegar até ali. A Assembleia Universitária se comoveu diante da história de Sheila. Hoje, ela já fez Doutorado em sua área nos Estados Unidos e pós-doutorado na Inglaterra. Encontra-se vinculada como docente ao quadro da uma Universidade Brasileira.

Pedro nunca deixou de ser taxista. Está aposentado mas continua trabalhando, só que hoje a situação é diferente, mais folgada. Faz seu horário de trabalho e lazer de acordo com as conveniências da família. Ama o que faz e só vai abandoná-la quando não puder mais. Diz que dela recebeu tudo que tem. Fala com o maior orgulho de sua profissão e da filha e conta sua história como um exemplo a ser seguido.  O que aconteceu com Sheila foi consequência de sua conduta honesta e ilibada realizada frente ao professor, sem o que a filha jamais teria alcançado e realizado seu sonho. Exemplo de comportamento ético tão raro nos dias atuais. Como gostaríamos de ter na sociedade e no mundo político o exemplo que este homem do povo nos dá.  Ainda nos resta uma esperança. Vamos aguardar.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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