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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Meu primo vaqueiro      

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publicado em 04/10/2023 às 07h00
atualizado em 03/10/2023 às 14h30

                  

Em recente viagem à Serraria, grande foi a surpresa ao reencontrar um primo vaqueiro, parente por laços familiares dos Nunes e dos Mendes. Sem nunca ter se afastado da nossa região, ele é o típico vaqueiro do Brejo, pois na ocasião do nosso encontro carregava as indumentarias dos que se embrenham pelas matas em busca de um boi fujão, semelhante aos antepassados, avôs e pai, revelados como bons pegadores de gado em lugares de topografia de difícil acesso.

Mesmo sendo uma extensão de terra relativamente pequena, diferente do Sertão que tem peculiaridades específicas e sol escaldante, a região do Brejo contém clima ameno, topografia mais acidentada, abundância de riquezas naturais, com olhos d’água cristalina e riachos onde se formam vazantes, com longos períodos chuvosos e friorentos. Na terra de massapê vermelho ou barro visguento, tem abundância de partidos de cana e frutas adocicadas, também se revelou adequada para a criação de bovinos, mesmo que não seja na dimensão do Sertão, onde a civilização do couro predominou desde o século 18. No entanto, teimosamente, em tempos remotos, fazendas de gado surgiram e se espalharam no decorrer dos tempos até os dias atuais, recebendo incentivos financeiros do governo à pecuária extensiva, o que trouxe enorme prejuízo à fauna e à flora.

Foi na paisagem de extensas matas ao redor de terras revestidas de babugem destinada a alimentar o gado que, em meados do século passado, eu observava homens couraçados, com trajes surrados, montados em cavalos protegidos por peitoral e viseiras, a descer desfiladeiros ou quando se embrenhavam por entre a amorosa em busca do animal desgarrado da pequena boiada de tio Pedro Mendes ou de Aloido Rocha.

Tarde conheci pessoalmente os vaqueiros do Sertão, cujas vestimentas pouco diferenciavam daqueles com os quais convivíamos no Brejo. Alguns que moravam em fazendas ou engenho de cana que fazia limites com o sítio de papai, como foi Seu Cambeba, vaqueiro que carregava tangido pela seca das terras esmas do Sertão, que me enchia de curiosidade. Morava no engenho de Antônio Carvalho, nosso vizinho. Muitas vezes estive em sua casa, e ficava fascinado com as velhas indumentarias que trouxe do sertão.

Com sua voz mansa, este vaqueiro costumava falar sobre a diferença de correr atrás de uma rês no Sertão, e no Brejo, onde passou a residir. Seu lugar de origem tem paisagem plana, em grande parte, com melhores condições para capturar o boi, bem diferença da região brejeira, onde a topografia irregular dificulta as atividades.

Muitas vezes escutava papai falar nesta diferença das atividades entre o vaqueiro do Brejo e do Sertão. Ele ressaltava a coragem do vaqueiro do Brejo em relação ao da outra região, seja do Sertão ou Cariri. Lembrava que nas brenhas brejeiras tem seus perigos, mesmo que nas terras sertanejas os espinhos pontiagudos, gravetos secos e os seixos soltos incomodassem bastante.

Lembrei dessa diferença entre os vaqueiros das três regiões quando me encontrei o primo José Barbosa Bezerra. Nascido no sítio Tapuio dos Nunes, em Serraria, seguiu os caminhos do pai e dos seus antepassados. Homens afoitos que entravam atrás de bois em qualquer cafundó. Sem nunca terem saído do Brejo, exerceram com coragem a atividade de vaqueiro.

Meu tio Manoel, irmão de papai, era carreiro e vaqueiro nas fazendas de tio Pedro Mendes. Conduzia as boiadas da região do Brejo para o Curimataú, uma vez ao ano. No período de invernadas, o rebanho bovino deixa Serraria para passar a temporada chuvosa no Curimataú, de clima ameno. No mês de setembro ou outubro, com a estiagem consolidada, trazia de volta os animais.

Se no Sertão, o vaqueiro se depara com paredões de pedra vistos à distância parecem uma sombra, no Brejo, que ocupa uma nesga da Serra da Borborema, homem, cavalo e o gado são espremidos por cordilheiras e encostas de terra úmidas e escorregadias. Este nunca se afoba diante dessas adversidades. Lá se acostumaram com o longo ciclo adurente das secas, cá são as invernadas aguardadas entre o Equinócio do Outono, em março; e o Solstício de Inverno, em junho, que se oferecem ao homem do campo para melhor desenvolver suas atividades.

         Também temos no Brejo os matutos crendeiros e de imaginação fértil, que olha para a natureza buscando as respostas que estão no comportamento das aves, na posição do vento, no comportamento dos animais. Temos na minha região, em período de estio, mesmo que em menor intensidade, dias queimosos e noites enregeladas, com vento que acoita as palhas dos coqueiros e os canaviais.

         Nos dias de verão, o sol poente do Brejo cobre as serras, que vendo-se ao longo do horizonte, transforma o lugar em paisagens estonteantes.

         Nosso vaqueiro sabe, sem nada dever aos que atuam no Semiárido, como viver as adversidades durante a captura de uma animal desgarrado da boiada.

 

 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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