João Pessoa, 06 de outubro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Não tenho a menor dúvida de que capitularemos diante da dita Inteligência Artificial. Não porque ela possa competir com a inteligência humana, mas pelos seus artifícios. Até onde tenho visto, principalmente, no que diz respeito a textos, vejo uma competência dura, sem criatividade ou jogo de cintura. Todos os que escrevem sabem que podemos mudar a intenção inicial do que escrevemos, levados pelo impulso criativo, chegando a produzir algo melhor do que o que havíamos planejado. Não vejo, pelos exemplos que conheço, como a IA poderá fazer isto, se ela obedece a padrões e a informações previamente escolhidas. Posso estar enganado, mas algo me diz que não estou.
Não sou obviamente contra a tecnologia, se fosse, não estaria escrevendo num computador e enviado o texto a ser publicado, utilizando a internet, via e-mail, que já está se tornando obsoleto, ou via whatsapp. Escreveria na pedra que, convenhamos, era a grande tecnologia, no momento em que a escrita foi inventada. Aliás, a própria escrita alfabética, difundida pelos gregos a partir do século VIII a. C., era uma tecnologia de ponta, superando a limitada escrita silábica. Sendo uma novidade tecnológica, a escrita alfabética chegou a ser condenada pelos que exercitavam a oralidade, prognosticando o fim do pensamento.
Vejo a tecnologia como algo imprescindível na nossa vida, tornando-a mais fácil e mais confortável. No entanto, do mesmo modo que não condeno a tecnologia por ela ser o que é, também não a enalteço, a ponto de fazê-la a razão da minha vida. Uso a tecnologia como algo que pode se ajustar ao meu tempo, diferente daqueles que usam o seu tempo para se ajustar à tecnologia. A tecnologia, em outras palavras, me serve. Não tenho qualquer intenção de ser seu escravo, por mais que ela esteja entranhada à nossa vida.
Não acredito tampouco que o mundo se tornará virtual ao ponto de o livro impresso não mais existir. Nada substituirá o prazer do manuseio do livro físico. Repetindo Millor Fernandes pela milésima vez: “– Livro não enguiça”. Mas não é só isto. É o fato de que o folhear de um livro impresso nos leva a descobertas que não procurávamos, escondidas numa palavra, numa frase, numa anotação à margem. Eis outra grande vantagem do livro impresso, a margem. Embora exista a possibilidade de anotações no e-book, nunca é como no livro físico, onde as anotações à margem estão todas visíveis e marcam um processo de leitura, no caso de várias releituras de uma obra.
Por que, então, capitularemos, se existem vantagens, como a criatividade que se manifesta no ato de escrever, como o prazer do contato com o livro físico ou da recuperação mais rápida de uma anotação ou a descoberta de coisas mais interessantes do que aquelas que procurávamos? Nem vou me referir ao fato de que não há aula on-line que possa competir com uma aula presencial, em que a possibilidade de intervir e de criar está sempre presente. Não digo isto para me dar importância, mas por ter passado pela experiência de professor do ensino a distância e durante a pandemia. Quando faço o balanço dos meus 45 anos de professor, chego à seguinte conclusão: a velha e boa aula tradicional ainda é insuperável.
Capitularemos por causa do grande artifício da Inteligência Artificial, que é nos acomodar, subjugando-nos pela preguiça. Muita gente quer o comodismo nocivo, em lugar da comodidade que a tecnologia oferece. Muitos estão viciados em procedimentos on-line, não querem se dar o trabalho do deslocamento, optando pelo que pode estar ao alcance da mão. As enciclopédias fazem parte do passado, o Google vai sendo substituído pelas Alexas, e a Inteligência Artificial dá respostas mais rápidas, para qualquer coisa… Está aí a sedução que vai arruinar os acomodados.
Darei um pequeno exemplo do que digo, que parece insignificante, diante da magnitude do que se veicula sobre a IA. Publiquei a informação sobre um curso que ministrarei na Academia Paraibana de Letras – Do Latim ao Português – e não foram poucas as pessoas que perguntaram se seria também transmitido pelo Youtube, se era preciso fazer a inscrição prévia, se não havia um formulário on-line para ser preenchido… Sendo um curso gratuito e aberto a todos os interessados, o mínimo que se poderia esperar é que alguém que deseje fazê-lo vá até o local designado, a Academia Paraibana de Letras, para fazer a sua inscrição.
Entendo perfeitamente que alguns não queiram se deslocar de casa para fazer uma inscrição, mas é o preço a pagar. Se sentem dificuldades nessa simples ação, tenho cá minhas dúvidas que possam acompanhar um curso, aos sábados, durante três horas e meia, em quatro semanas.
Sei que há aqueles que gostariam de participar, mas já se encontram ocupados aos sábados, daí a preferência pela aula gravada e exibida on-line. Outros não moram em João Pessoa. Por enquanto, não tenho como resolver esta demanda e não vou enquadrá-los no comodismo nocivo da submissão à tecnologia. Mas estes são poucos e eu os conheço. Outros tantos, pelas perguntas óbvias feitas a respeito do curso, demonstram que estão acorrentados ao pé de alguma Alexa que, até, agora, para mim, não disse a que veio.
Acredito e defendo que a melhor pesquisa é ainda a do livro impresso; a melhor leitura é aquela que você pode ler e reler, revisar as suas anotações, rabiscar na margem do livro, sublinhar, fazer um comentário ao fim do capítulo e poder recuperar tudo, rapidamente, sem ter que depender de estar plugado na eletricidade ou conectado à internet. A minha esperança é que, num mundo que se deixa subjugar pela máquina, os que ainda podem e sabem pensar por si mesmos, terão sempre um lugar. E a resposta é simples: máquina alguma, Inteligência Artificial alguma poderão competir com o poder da criatividade que, no meio do percurso, nos faz mudar de rota, em geral, para melhor.
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TURISMO - 19/12/2024