João Pessoa, 13 de outubro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Nasci na zona rural de Uiraúna, alto sertão da Paraíba, uma região castigada pela seca. Nascer ali, nos anos sessenta, como já disse em um livro de memórias (Os longos olhos da espera) era estar, diariamente, sujeito às lambidas da morte.
Minha casa ficava ao pé da Serra do Desterro, de onde descia um córrego que se tornou meu amigo, já que ele era a única pessoa com quem eu poderia revelar meus pensamentos e confidências.
Eu passava o dia perscrutando seus mistérios, interagindo com as suas cheias que eram raras, riacho filho da seca, carrapateiras floridas quando a chuva permitia, mussambê, canafístulas, flores azulzinhas, o coaxar dos sapos…
Mas todos os amores têm seus momentos de partida. O riacho Pé de Serra começou a me perder no dia em que um sobrinho de papai, que era da Aeronáutica em Fortaleza, chegou lá em casa.
Papai, como sempre, ficava sentado na rede, com um pé encolhido e o outro solto para fincar o balanço. Eu, um garotinho de seis anos, dentro da rede também. Numa cadeira de balanço, vestido numa farda branca, Tiquinho de Zé Leite.
Era um rapaz elegante, conversador e contava para papai as suas experiências na cidade, tudo testemunhado por umas revistas que trazia e as deixava lá em casa para papai ler as imagens, já que era analfabeto.
Papai admirava-o demais. E quando ele ia embora, eu folheava as revistas, inventava, como papai, histórias a partir das imagens e desejava a volta daquele moço vistoso com outras novidades.
Aos dez anos aprendi a ler. Pois, foi aí que me encantei pelas letras, pelos livros, pelas histórias. Doravante, por um sonho, eu enfrentei as maiores adversidades. Minhas irmãs todas pararam os estudos antes do primeiro grau. Eu deixei as frentes de trabalho, atirei-me no mundo com os olhos crescidos de desejo. O tempo se passou. Foram muitas florações perdidas, muitas lágrimas derramadas, mas o tempo é dono da esperança: Eu escrevia nos cadernos da vida: Hei de vencer!
Pois é: Hoje sou professor!
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