João Pessoa, 14 de outubro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Conheço uma professora de hidroginástica, em plena atividade, ainda jovem, com denodo de dar o melhor de si no que faz. Professora que ministra aulas em academia de ginástica especializada, pós-graduada em hidroginástica. Sempre a vi com muita dedicação: Leciona para seis turmas- duas de idosos, duas de adultos e duas de crianças. Hoje, quando cheguei na academia encontrei Lorena com lágrimas nos olhos e fiquei admirada procurando saber o que estava acontecendo.
Ela contou-me, emocionada, que estava com desgosto de ensinar a crianças, o que antes era a coisa que mais gostava e estava decepcionada e pensando seriamente em abandonar as turmas infantis. Justificava que devido sua experiência com crianças há cinco anos passados podia desenvolver seu plano didático-pedagógico na integra, o que não é muito tempo. Depara-se hoje com situação inusitada completamente diferente. Assim se expressa referindo-se às crianças de hoje: “ Isto eu estou falando da natação, aí você imagina essas crianças na sala de aula do ensino regular! Acredito que os professores/as sofrem muito, porque as crianças estão acostumadas e adaptadas a mandar nos pais e na sala de aula não é diferente; replicam esse comportamento e querem fazer o que querem. São absolutas, prepotentes, não ouvem o professor e os pais aceitam e são coniventes”. E continua:
“Vou dar um exemplo, que aconteceu comigo: Tenho uma metodologia em que sempre divido a turma em duas: uma que está na fase de adaptação, onde as crianças estão se adaptando ao meio líquido; as atividades pedagógicas são dirigidas para brincadeiras com ênfase no método lúdico para tornar a aula mais prazerosa e atrativa. A outra, em que estão se iniciando na parte técnica dos nados e movimentação na água e aí exercitam-se mais. Estefani era uma criança que já tinha passado pela primeira fase e eu estava iniciando a metodologia dos nados e passei ela para a turma de iniciação da parte técnica. E qual foi a surpresa quando ela me disse: Eu não vou. Vou ficar na outra turma que eu gosto e você não vai me mandar para lá. E falei: Não, Estefani, você vai, porque quem determina na sala de aula, sou eu, e não o aluno. Você, já está adaptada, agora vai ter outro aprendizado senão vai se atrasar. Ela batia o pé que não ia. Que ia pedir ao pai para tirar dessa natação chata, que não gostava. Eu falei: Tudo bem, você peça a seu pai para lhe tirar da aula, mas hoje você vai fazer o que estou dizendo. Coloquei-a para fazer o exercício e quando foi no meio do exercício ela falou toda prepotente: sabe de uma coisa, eu não vou fazer porque eu não quero e estou com minha garganta doendo e não vou fazer. Nesse momento, a mãe estava se aproximando e eu a chamei e contei o que estava ocorrendo. A mãe então interpelou a filha: Por que Estefani você não quer fazer a natação? Ela retrucou: “ Eu não estou a fim. Estou com a garganta doendo e quero ir para casa. ” Qual foi a atitude da mãe? “Está certo, indo, com aquele ar de deboche, como apoiando o comportamento da criança, e disse: “vá pegar suas coisas e vamos para casa”. Diante daquela cena, a docente viu quanto é impotente, e como seu trabalho pedagógico é desvalorizado, torna-se em vão, derrubado diante do contexto, e diz que pelo gesto da mãe se constata que a culpa não é da criança, mas dos pais”. Em vista da problemática desestimulante e incentivadora para que o professor abandone seus princípios, não tem outra saída, é deixar correr à revelia, ao contrário do que aprendera nos bancos da Universidade como princípios pedagógicos adotados pela natação. Fico a imaginar o que será daquela criança, mais tarde como adulto? E como ela tem outras. Houve casos em que já apanhou de crianças que batem no professor. Quando quer implantar disciplina, diz que os pais não apoiam, são permissíveis, impedem de o docente tomar atitudes, e se toma, fica desmoralizado, então afirma que está difícil trabalhar com crianças. O professor tem que aguentar as pancadas, grosserias e descumprimento de suas ordens; não pode repreender, situação que a deixa constrangida. Acrescenta: “ Preparo o plano didático da aula, mas nem sempre tenho condições de cumprir. Ás vezes chego em casa chorando e dizendo a meu esposo que tenho que me preparar para deixar a sala de aula, a coisa que mais amo, mas constato que não está mais compensando porque tenho mais dissabores que satisfação e sinto que essa situação está me fazendo adoecer”.
Continuando a conversar com Lorena, disse-me que são inúmeras as situações; hoje mesmo ela contou que para motivar as aulas levou uns pirulitos. Como eram 12 crianças jogou 12 pirulitos no fundo da piscina e pediu que cada aluna mergulhasse e apanhasse um pirulito. Um dos alunos perguntou: “Professora eu posso pegar mais de um? Ela disse: “não. Porque são 12 pessoas e se você pegar mais de um alguém vai ficar sem o pirulito. E você acha justo? Então a atividade foi iniciada e quando todos terminaram faltou pirulito para uma aluna. Eu sabia que tinha sido Paulo, mas não podia acusá-lo. Falei alto para todos, pedindo: alguém pegou dois pirulitos? Fale agora, e peça desculpas que a tia perdoa. E está tudo certo, porque a coleguinha está sem pirulito. Não é justo. Paulo permanecia calado. Já estava para terminar a aula. Então eu propus: Vão sair de um em um e eu vou olhar na roupa quem está escondendo o pirulito, porque ele não sumiu. Quando eu disse isso, ele tinha colocado dentro da sunga e fez cair o pirulito. Então eu falei que ele não devia fazer aquilo porque era feio e que da próxima vez ele fizesse como eu pedi para não faltar para a coleguinha. Quando ele saiu da piscina eu lhe disse: converse com seu pai o que aconteceu. O pai que estava assistindo disse; “Professora eu vi tudo”. Nesse momento, chega a mãe e pergunta: “ O que está havendo? Aí eu explico e ela diz: Não precisava disso”. Quando foi no outro dia da aula Paulo veio me afrontar e dizer: Sabe o que minha mãe fez? Foi no supermercado e comprou um saco de pirulito”. Observa-se que a culpa não é das crianças e sim dos genitores porque não existe a palavra não. Para compensar a ausência, eles dão e concedem tudo. Não recriminam, adotam uma posição de comodidade. Quando encontram uma professora que impõe disciplina, diz não, até porque a natação infantil trabalha a parte pedagógica ajudando na formação do aluno de acordo com os princípios didáticos ensinados na Universidade. Os pais não admitem e criam problemas afetando a dinâmica metodológica das aulas.
São muitos casos e Lorena diz que nesse contexto todos mandam e se intrometem no domínio de classe e na autoridade pedagógica que deveria ser exclusivamente sua. O professor não pode exercer a sua função pedagógica porque nada pode. O mestre é anulado na sala de aula. E cada vez mais percebe que os pais usam a natação para ocupar o tempo da criança, mas sem nenhuma preocupação da formação pedagógica e cidadã. Quando a natação poderia ser mais uma ferramenta do processo educacional complementar utilizado para ajudar a criança nesse sentido.
Há teóricos e pesquisadores interessados no tema “natação e atividade física” e a importância no desenvolvimento e formação do homem. É notório que indicam a contribuição e benefícios sobre o aperfeiçoamento físico e mental além de incentivar as habilidades sociais de relacionamento e confiança. Como se constata, a natação incentiva o desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo. Reforçando esse nosso pensamento nos reportamos ao pesquisador, professor universitário, Massaud (1999), que afirma: “A natação durante anos vem contribuindo de forma notável para o desenvolvimento das faculdades humanas, sendo também um importante instrumento pedagógico. Com a ampliação para atividades aquáticas visamos favorecer o processo de socialização dos jovens, ao acostumá-los-á orientarem sua conduta de acordo com um sistema de regras gerais; estimular o entusiasmo pela superação de dificuldades seja ele guiado pelo espírito competitivo ou pelo desejo de vencer pessoalmente um desafio físico ou intelectual; e a própria capacidade física, psíquica e intelectual, além de uma saudável forma de diversão “ (p.174).
A criança não nasce sabendo. Os costumes e comportamentos terão que ser apreendidos e a natação é sem dúvida uma ferramenta prazerosa, poderosa e pedagógica, partícipe, a ser utilizada na formação do homem. Diante do exposto, dizer o que? Percebe-se a ignorância, os equívocos e o menosprezo dos pais ao tratarem a questão da natação, considerando mais uma oportunidade de matar o tempo da criança, sem nem de leve a considerar como uma atividade didático-pedagógica contributiva em sua formação. A problemática exposta revela o relacionamento dos pais ao lidar com os filhos no mundo pós-moderno. Aonde se vai chegar? Só Deus sabe.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP
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TURISMO - 19/12/2024