João Pessoa, 20 de outubro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A manhã estava preparada para os acontecimentos corriqueiros. A minudência da vida simples era exuberante e sequer o Sol tinha esquentado o dia para nos confrontarmos com a morte, menos em um momento em que as letras ainda chocalhavam embaraçadas dentro das nossas cabeças.
Mas o tempo carrega dentro de si as possibilidades dos confrontos. E todos sabem que um dia as maledicências vindas do acaso pairam na vida de qualquer um.
Até então, somente uma pessoa morrera nos meus verdes anos de existência. Da velhice longa, todos, um dia, esperam a morte. A que testemunhei meteu-me medo, mas a saiba intuição da normalidade dizia que todas as lagartas, um dia, por excesso de vivência, desaparecem, talvez transformadas em borboletas.
Assassinato, não!
Nem havíamos começado a soletração, nem chegara a hora da tabuada. Os olhos da meninada ainda cochilavam a noite passada e Maria Dantas, a professora, ainda se punha na fase da preparação da aula.
A notícia chegou como uma bomba: Três tiros!
Foi esse o burburinho que tomou conta da sala de aula. Eu nunca imaginara isso, mas o verbo matar é daqueles que se impõe avassalador para qualquer um, menino ou ancião, sobretudo na zona rural de uma comunidade minúscula do alto sertão paraibano nos anos 70 quando todas as inocências ainda eram risonhas para a vida.
Vítima e assassino eram por nós conhecidos, mas não tínhamos compostura mental para entender o acontecimento. A aula foi interrompida. O dia foi longo e lúgubre.
As pessoas do sítio só falavam no assassinato. À noite, por várias noites, foi apavorante. Eu não dormia à suficiência. O assassino ganhou o mundo, desaparecido.
Não que eu o defendesse, mas era como se diante da vida que restou, eu havia de me condoer com a solidão dos assassinos: Onde ele estaria? O que comia? Chorava? Depois, eu pensava no morto debaixo da terra fria, e nos filhos sem o pai e nesse entra e sai de pensamentos contraditórios, eu não dormia.
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