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Kubitschek Pinheiro
Frutuoso Chaves nasceu para fazer notícia. Sim, ele não é notícia. Ele se veste das palavras, com a simplicidade que o idioma exige, não escreve textos lomgos, nem faz arrodeios com os velhos adjetivos. A notcia é curta. Ele é a prova de que o jornalismo nasce com a gente e, quem é jornalista de verdade, sabe disso.
A sensação que temos ao ler os poemas de Carlos Drummond de Andrade, de que as palavras espalhadas pela vasta produção do poeta, parecem nascer da mesma árvore. E isso, temos com os textos de Frutuoso Chaves – palavras que possam exprimir o que senti ao lê-lo, eis a maior sacada de um bom jornalista. Aliás, jornalista não é escritor, é jornalista, a exceção de alguns autores brasileiros.
Prefiro chama-lo de professor (aprendi muito com ele), do que escritor. O jornalista que ele é, cúmplice a quem neste momento passe os olhos por essa entrevista, respeitado e seus qualificativos.
Frutuoso Chaves é jornalista profissional com passagens por veículos a exemplo de A União, Correio, Jornal da Paraíba, O Globo, Jornal do Commercio, Revistas A Carta (editada em João Pessoa) e Algomais (no Recife). Na condição de freelancer, tem textos publicados, também, na Folha e Estado de São Paulo. As Redações paraibanas o tiveram como Redator, Editorialista, Editor Setorial e Editor Geral, caso do Jornal O Norte. Como Chefe de Reportagem de A União, propiciou o primeiro emprego a nomes conhecidos da imprensa paraibana. Em meio a outros, aos irmãos Tião, Edmilson e Miguel Lucena, Paulo Santos, Chico Pinto, Wellington Farias, Marcone Formiga e Sandra Moura.
Espaço K – Quando Frutuoso Chaves colocou os pés pela primeira vez numa Redação de Jornal?
Frutuoso Chaves – Aos 15 anos de idade, a fim de varrê-la. Minha família havia acabado de se mudar para João Pessoa com algo muito pesado na bagagem: a falência do meu pai, no Pilar da minha infância. Meu velho vendeu a Padaria (sou filho de padeiro) e nossa casa, pagou a quem devia e trouxe a mulher e os quatro filhos para uma terra nova e um novo tempo. Tive que trabalhar muito cedo. Aos 15 anos, portanto, fui contínuo de um jornalzinho de 12 páginas instalado na Rua Duque de Caxias, o Tribuna do Povo. Na ocasião, morávamos na Rua Barão de Mamanguape, Bairro da Torre, quase na esquina com a Nossa Senhora de Fátima. Eu acordava às 5 da manhã e cobria em bicicleta os dois quilômetros diários até aquele jornal pertencente, segundo as más línguas, a João Agripino e Clóvis Bezerra. Nunca me certifiquei disso, de modo que falo por ouvir falar. Tínhamos, então, uma cidade muito calma. Mesmo assim, minha mãe ficava em pânico e se punha a rezar por este filho. Para quem saía de Pilar, João Pessoa era Nova York. “Ainda na Tribuna, aprendi os sinais de revisão. Quando Agripino assumiu o Governo do Estado, eu fui para A União, também como contínuo. Porém, o aprendizado anterior me livrava do espanador e do serviço de cafezinho à equipe de jornalistas. Fui, ali, na prática, revisor com salário de office-boy, até o reenquadramento como Noticiarista, já no Governo de Ernani Sátyro. Ou seja, aos 19 anos de idade, eu escrevia para o jornal do Governo os meus primeiros textos.
Espaço K – Você é conhecido pelo bom texto, a notícia bem feita. Tem um jeito para isso, um macete?
Frutuoso Chaves – Tentar aprender com quem sabe talvez seja a melhor resposta. E ler com olhos críticos. Tive a sorte de ingressar nas Redações quando ainda tínhamos naquela geração do finado “Jornal do Brasil” a grande escola de jornalismo do País. Vários profissionais daquele time atuavam, igualmente, nos Escritórios de Agências Internacionais de Notícia. Importavam, assim, para o bem e para o mal, as técnicas do jornalismo americano: a do lead, sublead e corpo de matéria. Isso que as academias chamam de “pirâmide invertida”. A base, em cima, contendo as informações mais substanciais acerca de qualquer fato noticioso. E com respostas curtas para cinco questões: o que aconteceu, quando, onde, como e por quê. Não necessariamente nessa ordem, mas, em parágrafo com não mais do que cinco, ou seis linhas. O detalhamento transcorreria nos parágrafos seguintes. Objetividade já era a palavra de ordem. Na Paraíba, Antônio Barreto Neto, nosso saudoso Barretinho, foi um craque nisso. Geralmente, o bom noticiarista não é um bom cronista, e vice-versa. Um tem linguagem substantiva e equidistante dos fatos. E, o outro, fartamente adjetivada, porquanto trata do encantamento pessoal, da repulsão, do amor, do ódio, da ternura, do padecimento, da emoção, enfim. Barretinho, em quem procurei me espelhar sem o mesmo êxito, evidentemente, fazia muito bem as duas coisas.
Espaço K – Um jornalista que não tem o hábito da leitura consegue ser um bom profissional?
Frutuoso Chaves – Não. Sem leitura quase nada se consegue, dentro ou fora do campo jornalístico, ou cultural. Mesmo a atividade técnica requer leitura. Sem isso não há conhecimento.
Espaço K – Você foi editor do Jornal O Norte nos tempos áureos da mídia impressa. Vamos falar dessa gestão. Como isso aconteceu?
Frutuoso Chaves – Aconteceu por toda a década de 1980. Eu havia saído dos quadros da velha A União sem maiores problemas com a subsistência. Na ocasião, estava contratado pelo Jornal O Globo, do Rio de Janeiro, com vinculação à Sucursal do Recife. Desse modo, não aceitei de pronto o convite de Marconi Góes, superintendente dos Diários e Emissoras Associados na Paraíba, para compor a equipe de Redatores daquilo que então era o maior e mais influente veículo da imprensa paraibana. O também saudoso Erialdo Pereira intermediou os entendimentos e, passado um mês do nosso primeiro contato, ingressei na equipe onde já estava o próprio Erialdo. Ali cheguei, repito, como Redator. A ocupação da Editoria Geral deu-se uns seis meses depois, em substituição a Evandro Nóbrega, após consulta à direção d’O Globo. Um jornal não concorria com o outro, as Praças eram absolutamente diferentes e, assim, obtive o sinal verde da Sucursal recifense para a missão nova a mim confiada por Marconi e sem prejuízo da primeira. Dirigi a Redação d’O Norte durante dez anos. Ao cabo desse tempo, compus os quadros d’A Carta, o influente semanário do não menos saudoso Josélio Gondim, onde atuei por seis anos. Aliás, foi este, também, meu tempo de permanência no Escritório que o Jornal do Commercio, do Recife, instalou em João Pessoa, na segunda metade da década de 1990. Escrevi durante seis anos exatos para o JC depois do fechamento d’A Carta. Ainda o fazia quando cheguei à Coordenação do Setor de Imprensa do Tribunal de Justiça da Paraíba, a convite do desembargador Raphael Carneiro Arnaud e onde tive o prazer de também ali encontrá-lo, meu caro Kubi. Acho que você lembra disso.
Espaço K – Entrevistar Frutuoso Chaves e não falar de Marconi Góes não faz sentido. Conta aí uma história do poderoso chefão.
Frutuoso Chaves – Poderoso, mesmo. Mas de fácil convivência com a equipe. Conhecia todo mundo pelo nome e era, internamente, um camarada de bons tratos. Reservava seus esporros ao quadro administrativo de diretores, aos seus iguais, se é que posso definir assim aquela situação. Isso não significa que a Redação estivesse completamente livre para o noticiário nosso de cada dia. Perdi muitas batalhas na produção do jornal. Trocando em miúdos, as liberdades conferidas à notícia não eram diferentes das que ainda hoje temos em qualquer Redação brasileira, grande ou pequena, onde quem manda, no frigir dos ovos (e tome fritura), é o patrão. Quem não sabe disso? Observo que o jornalismo, em escala nacional, é capitania hereditária, é coisa de pai para filho, uns sucedendo os outros, com raríssima exceção. Quando Papai morre Juninho costuma assumir o posto. Nos Diários Associados, não. Chateaubriand pensou a coisa de modo a nada deixar para o comando dos herdeiros. Quem passou a dirigir essas empresas, após sua morte, foi o Condomínio por ele instituído, com cada condômino, escolhido entre os pares. Isso, entretanto, não fez dos veículos associados um grupo indisposto aos Poderes e ao mando do capital. E, ainda por cima, contribuiu para o insucesso de sucessivas emissoras, revistas e jornais. Quem tem 26 donos batendo cabeças não tem nenhum.
Espaço K – O que você diria a um jovem que pensa em estudar para ser jornalista nos tempos de hoje?
Frutuoso Chaves – Deus te proteja.
Espaço K – Lembro que você me contou o episódio da ida do saudoso Afonso Pereira à Redação com um cheque a você por matéria publicada. Daria para contar para o público sua reação?
Frutuoso Chaves – O professor, certamente, não fez por mal. Pensava em agraciar um jovem amigo. Eu o fiz ver que nada me devia. Como também não devia a José Souto, o diretor do Jornal, que me recomendara os artigos por ele semanalmente produzidos. Minha raiva passou com o tempo. Quando meu pai faleceu, anos depois, o velho e querido Afonso me surpreendeu e à minha família com a encomenda da Missa de Sétimo Dia, na Igreja da Misericórdia. Eu já então dirigia a Redação d’O Norte, quando, aí sim, senti-me eternamente grato a ele. Era um homem decente.
Espaço K – Jornalista nunca se aposenta. Você até hoje trabalha na profissão. É nosso ganha pão, não é?
Frutuoso Chaves – Não sei se posso definir como jornalismo isso que hoje fazemos. Na verdade, somos assessores de imprensa. Mas nos aproximamos do jornalismo ao sermos entendidos como profissionais encarregados da notícia de serviços. Ou seja, da informação de algum modo necessária à sociedade e aos entes públicos subordinados à jurisprudência dos Tribunais onde atuamos. Neste caso, somos, de fato, “Assessor da Imprensa”. É isso o que nos justifica o salário.
Espaço K – Frutuoso é escravo do celular?
Frutuoso Chaves – Acho que todos somos. Em certa medida, é nosso instrumento de trabalho.
Espaço K – O que Frutuoso acha das redes sociais?
Frutuoso Chaves – Importante e imprescindível, desde que bem utilizada. Pessoalmente, tenho aproveitado o Facebook para a produção de crônicas e contos replicados por gente de peso no jornalismo e nos meios literários, a exemplo dos queridos Rubens Nóbrega e Germano Romero, este último editor de um dos mais respeitados espaços literários do País, o Blog de Carlos Romero, onde militam renomadas expressões da literatura regional. Como você vê, estou sem merecimento entre essas figuras há muito aclamadas. Não por acaso, dei a esse livro o título “Papo de Rede”, alusão às conversas de varanda entre amigos e às redes sociais dependuradas nos satélites de hoje. Espero o número suficiente de textos para a edição de dois volumes. E aproveito a oportunidade para exprimir minha gratidão, também, aos irmãos Tião e Miguel Lucena, ambos ingressos por mim em jornal. Miguelzinho, editor do “Planalto em Pauta”, jornal eletrônico produzido em Brasília, também tem aproveitado textos meus.
Espaço K – Você foi muito namorador?
Frutuoso Chaves – O que posso responder? Pois bem, se a questão disser respeito ao extraconjugal, Dona Miriam responderá que não.
Espaço K – Você me ensinou a fazer notícias curtas. A síntese ainda está valendo?
Frutuoso Chaves – Mais do que nunca, nestes tempos de tensões e correria. Todavia, isso não implica a rejeição às grandes reportagens, artigos e ensaios. Há técnicas prevalentes para “clarear” esses textos, torná-los mais ágeis e palatáveis ao público comum. Uma grande matéria pode ser fatiada em “coordenadas”, ou “vinculadas”, com títulos próprios num mesmo bloco, tendo por cabeça um texto de “amarração” dos temas ali subsequentes. Falo, essencialmente, do jornalismo impresso ainda existente em muitos pontos do País. E falo, ainda, em nome dos autores e leitores de assuntos específicos no ramo jurídico, da ciência, da tecnologia, da educação, da economia e das artes. Estes, diferentemente dos demais, exigem informação com grau de profundidade muito mais amplo e complexo. Entendo que os do ramo, nesses casos, precisam ser atendidos, pronta e necessariamente.
OPINIÃO - 22/11/2024