João Pessoa, 25 de outubro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Literatura é novidade que sempre permanece novidade. Eis uma das teses de Ezra Pound (1885-1972), poeta norte-americano e refinado estudioso da poesia. Tenho testado a legitimidade dessa afirmação ao longo de minha história de leitor. Esqueço, por enquanto, os poemas, as crônicas, os ensaios, os romances, e me atenho aos contos, lendo e relendo, a vida inteira, os preferidos de minha antiga coleção.
Leio um conto, e, se me agradar leio de novo. Depois o ponho de molho, e, noutra ocasião que os andamentos da leitura permitem, releio, exatamente para verificar se esse ou aquele conto será mais um conto de minha vida. Verifico se minha antiga coleção vai se enriquecer com o mais novo componente.
Minha coleção é variada. Meus gostos, também. Embora nunca deixe de associar, nos meus critérios de escolha e avaliação, o ingrediente estético e a verdade humana como requisitos fundamentais do mais lídimo e genuíno produto literário.
Alguns exemplos, recuperados de modo alheio e espontâneo, ao calor dessa escrita lúdica, podem ilustrar as vertentes do meu pensamento, a singularidade de minha estesia. Adianto, desde já, que os contos a serem referidos aqui, sempre me trazem novas significações no plano temático e ideológico, assim como me realimentam no fluxo indescritível do prazer e da felicidade que a leitura, com sua magia e seus sortilégios, garante-nos em certas circunstâncias da opacidade cotidiana.
De Maupassant, tenho lido e relido “Bola de sebo”, que sempre me ensina coisas insólitas acerca da condição humana, ao mesmo tempo em que me coloca diretamente naquela relação de equilíbrio entre forma e fundo, intrínseca à verdadeira obra de arte. E por falar em Maupassant, lembro-me do extraordinário conto de Isaac Bábel, cujo protagonista é o próprio escritor francês, referência seminal para a formação literária do autor russo.
A propósito, os russos do século XIX são como que paradigmas do melhor conto realista. De Gógol, assinalo “O capote”, “Diário de um louco” e “O nariz”; de Gorki, “Konoválov”; de Dostoievski, “Bobók” e “O sonho de um homem ridículo”; de Tolstoi, “A motre de Ivan Iliitch”, “O padre Sérgio” e “Memórias de um louco”; de Tchecov, quase todos, porém, em especial, “Enfermaria número seis”, “O professor de letras”, “O assassinato”, “Em serviço”, “O acontecimento”, “A dama do cachorrinho” e “Estepe”. Na minha antiga coleção, Tchecov é o número um, o melhor entre os melhores!
Cada conto desses me auxilia na maturação da experiência estética e me joga, entre perplexo e comovido, na arena enigmática da própria vida. Ao traço trágico de um Dostoievski se soma, por um lado, a fina e corrosiva ironia de um Gógol ou de um Tchecov, e, por outro, o realismo melancólico de Tolstoi se junta à peripécia do infortúnio no conto de Gorki.
Na literatura latino-americana, três nomes pontificam no reino de minha coleção. Julio Cortázar, Jorge Luís Borges e Gabriel García Márquez. “A autoestrada do sul”, “Os doentes”, “As babas do diabo” e “O perseguidor” são os meus preferidos do escritor argentino. De Borges, destaco “O outro”, “A biblioteca de Babel”, “Funes, o Misterioso”, “O Sul”, “A intrusa” e “O Livro de Areia”. Fico sempre ansioso e indeciso diante de García Márquez, quando compulso, leio e releio a coletânea Doze contos peregrinos. Aqui, tudo é do melhor quilate. Motivo, temática, estilo, enredo e personagem convergem para o sucesso da realização expressiva, para a composição de uma obra orgânica, para a fluidez estética de cada peça literária, vista na sua unidade e autonomia. Todos os contos desse conjunto extraordinário me parecem perfeitos. Mas, vou grifar três que me fazem renascer aquela novidade misteriosa, aquele movimento significante que me deixa extasiado. São eles: “O avião da bela adormecida”, “Só vim telefonar” e “O rastro do teu sangue na neve”.
Quanto aos de casa, o ponto máximo ainda se localiza na pena de Machado de Assis. Contos, como “A cartomante”, “A missa do galo”, “Noite de Almirante”, “Cantiga de esponsais”, “A causa secreta”, “Conto de escola”, “O espelho” e, particularmente, “Uns braços”, são suficientes para inserir o bruxo do Cosme Velho na galeria dos melhores contistas da literatura universal. E, para robustecer essa tradição da narrativa curta no Brasil, saliento alguns nomes modernos e contemporâneos em cuja obra podem-se pinçar modelos extremamente bem realizados. São eles, entre outros: Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Aníbal Machado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Luiz Vilela, Moacy Scliar, Dalton Trevisan, Murilo Rubião, J. J. Veiga, Autran Dourado, Osman Lins e Hélio Pólvora.
Arrematando, devo dizer que esta lista de nomes é meramente ilustrativa, e não exaustiva. Devo dizer também que os autores e suas respectivas obras são os de minha preferência, moldada pelo sabor indisciplinado de uma subjetividade ainda, e sempre, em processo de formação.
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OPINIÃO - 22/11/2024