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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Mamãe, eu sou Doutor

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publicado em 03/11/2023 ás 07h00
atualizado em 02/11/2023 ás 20h01

Não é fácil concluir um doutorado aos 61 anos. Investir,  a essa idade, 4 anos em um doutoramento, é bem diferente do que fazê-lo na juventude. Os olhos já não brilham como dantes; querem descanso; o corpo, sossego; as expectativas são avaras; os bancos escolares são duros;  somos impacientes com os egos inflamados da academia e sabemos que não há mais novidades debaixo do Sol.

Mas havia uma voz cobrando providências: “ Mamãe, eu vou ser doutor”. Minha mãe era analfabeta. Sendo da zona rural de uma cidadezinha do alto sertão da Paraíba (Uiraúna), conhecia, no máximo, revendedores de doses de homeopatia, do tipo caixeiro viajante nos longínquos anos 60.

Eu terminara o Mestrado em 2003. As funções de Auditor da Receita Federal me consumiam; as aulas ministradas entravam pela noite. E havia artigos para escrever, livros para publicar, prêmios de educação fiscal para ganhar (Foram 3), família para cuidar.

Era natural que eu não  tivesse tempo para me doutorar, mas a voz do garoto grandão que me metia medo no Grupo Escolar Jovelina Gomes vinha à minha lembrança: “Mamãe, eu vou ser doutor”.

Então, pensando que iria me aposentar, fiz a seleção do doutourado na UFPB em 2019. A Reforma da previdência postergou minha inatividade. Não foi fácil, dois expedientes na Receita Federal. A voz do garoto grandão ressoava intermitente: “ Mamãe, eu vou ser doutor”.

O tempo avançou as suas esquinas enferrujadas e me trouxe aqui. Uma tese de doutorado, dois romances, um livro de memórias, uma coletânea de contos, dois livros de crônicas, todos escritos nesses curtos 4 anos.

Assim, esse doutorado é para minha mãe. E para o garoto mais forte e bem mais velho do que eu  e que me chamava de matuto, que dava cascudo em minha cabeça, que zombava da minha  singeleza e punha palavras alvissareiras na boca de minha mãe: “Mamãe, eu vou ser doutor”.

O tempo corrói as dores. Sem mágoas, sem mágoas. O garoto, ainda que adolescente, era apenas um covarde. E minha falecida mãe, a mãe de um Doutor.

@professorchicoleite

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