João Pessoa, 08 de novembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Madalena Zácara me trouxe um exemplar de As flores do mal, de Baudelaire, numa de suas viagens a Paris. Trouxe exatamente o que eu queria. Uma edição de bolso, em francês, usada, adquirida num daqueles bouquinistes à beira do Sena. Não sabe ela o mimo que me fez com a delicadeza de seu gesto.
Milton Marques Júnior, velho amigo e ilustre confrade na APL, Academia Paraibana de Letras, trouxe-me, da Itália, também no idioma original, uma primorosa edição de A divina comédia, de Dante Aliguiére, sobretudo, decerto, sabendo que me faria feliz com tão precioso presente.
Astier Basílio, um de meus filhos bastardos no minado campo da arte literária, morando na Rússia, trouxe-me, um dia desses, um belo volume de Crime e castigo, de Dostoievski, na língua eslava, com todo o mistério de suas declinações que desconheço.
Ainda da Rússia, certamente de São Petersburgo, Cláudio Lopes Rodrigues me trouxe, também, uma edição do célebre romance do autor de O idiota. Cláudio já me dera, como souvenir de Espanha, um lindo galo, de Toledo.
Mas, voltemos aos livros em língua estrangeira.
Chico Pinto, passando pela Hungria, me trouxe, de Budapeste, dois livros em expressão magiar, só para me deliciar na minha compulsão de pobre bibliófilo. Um exemplar de Don Quijote, de Cervantes e Tóth Árpád, seleção de poemas de Válogatott Versek.
Larinha, minha amada netinha, tendo ido à Argentina com a mãe, Mariana, lembrou do avô e me trouxe, com singela dedicatória, uma Antologia de la poesia argentina, Selecion e introductuioón de Raúl Gustavo Aguirre.
De Portugal, em viagem que fez ao país de Camões, Tarcísio Pereira me trouxe uma edição especial dos poemas de Fernando Pessoa, inclusive com cópias manuscritas de seus versos, adquirida na Livraria José Saramago, na cidade de Óbidos.
Ora, quem me lê deve estar se perguntando se eu conheço esses idiomas (o francês, o italiano, o russo, o húngaro, o espanhol, o português lusitano). Será Hildeberto um poliglota?
Nada disso. Não possuo o germe mágico desta virtualidade linguística como o possui o professor Milton Marques Júnior e o jornalista e erudito Evandro Nóbrega. Nem conheço nem leio tais idiomas. Sou apenas um monoglota. Um monoglota incompleto, com conhecimentos epidérmicos acerca de minha própria língua, a despeito de ter sido professor de português a vida inteira.
Dei aulas de gramática normativa, sabendo de cor as regras e os exemplos de Carlos Eduardo Pereira, Napoleão Mendes de Almeida, Carlos Góes, Celso Cunha e Evanildo Bechara, entre outros mestres da “última flor do Lácio”. Dominei os obstáculos da análise sintática, lendo as décimas de Os lusíadas e acumulei um rico e variado vocabulário.
Exceto Gilberto Freyre, ninguém virgula, correto, como eu. Leio com desenvoltura e cadência, valendo-me das lições da prosódia e da ortoepia. Também sei escrever com alguma fluência e um pouco de brilho.
Mas isso não me autoriza a dizer que sei o meu idioma. Falta-me o conhecimento de suas raízes latinas, os ecos do grego que lhes penetraram secretamente o complexo organismo estrutural, sobretudo, os percursos filológicos que lhes definem a medida e o alcance atuais.
Em sendo, portanto, um leitor intenso e apaixonado, sou, não obstante, um leitor mutilado, com severas lacunas e visíveis carências. Se não leio idiomas estrangeiros, cultivo, no entanto, o prazer estético e afetivo dos livros, como aquele colecionador que cuida das peças de sua coleção com zelo, amor e devoção.
Isto não seria uma insólita forma de leitura?
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TURISMO - 19/12/2024