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PRECONCEITO

Periferias da França são enjeitadas até na hora do voto

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publicado em 18/03/2012 ás 10h43

Stéphane Denelle, 39 anos, é jardineiro. Mas nos últimos meses ele é pago pela prefeitura para uma função curiosa: subir e descer várias vezes dez andares de um prédio insalubre e caindo aos pedaços carregando sacolas, malas e outros objetos de seus moradores — especialmente, de mulheres, crianças e idosos. O elevador está quebrado há cinco anos.

— Quantas vezes eu subo? Depende. Comecei o turno há pouco e já subi uma vez — comenta, apresentando-se como um “agente carregador” (de peso).

Bem-vindo a Clichy-sous-Bois. Nesta periferia pobre de Paris — as chamadas banlieues — onde começou uma das mais violentas revoltas de jovens da classe desfavorecida na França, em 2005, com confrontos e milhares de carros queimados por todo o país, é como se o tempo tivesse parado neste prédio: em sete anos, corredores e paredes continuam pichados com palavrões, a entrada está destruída. Não apenas o elevador parou, mas o sistema de lixo está há um ano entupido. Alguns moradores jogam lixo até pela janela.

— Por causa disso, temos barata e mosquito até no inverno — lamenta Fatouh Cisse, 22 anos, cuja mãe mora no prédio.

As banlieues são um tema praticamente ausente das eleições presidenciais da França este ano. Na sexta-feira, a 40 dias da disputa, os dois principais candidatos ao comando do país foram à periferia pela primeira vez desde o início da campanha: o presidente Nicolas Sarkozy foi para Meaux, subúrbio de Paris, e o socialista François Hollande, para Meinau, em Estrasburgo. Mas sem muito estardalhaço ou grandes promessas. Uma reticência que não surpreendeu o sociólogo Jacques Donzelot.

— (A banlieue) é um assunto de risco para a esquerda. Num clima de angústia com a crise, toda ação marcada nestes lugares é percebida como uma atenção especial para imigrantes, e isso faz perder votos — explicou o sociólogo, ao jornal “Le Monde”.

Sua análise é refletida na queixa de Mohamed Mechmach, da associação AC Le Feu, criada no auge da revolta de Clichy-sous-Bois.

— Fala-se de tudo nesta campanha, menos dos grandes problemas, como os nossos nos bairros populares.

Nos anos 1950 e 1960, uma França em plena reconstrução do pós-guerra importou mão de obra barata de suas ex-colônias na África para fazer o trabalho que o francês não queria mais fazer, na construção, na limpeza ou nas fábricas. Com Paris lotada, os imigrantes foram instalados nos anos 1970 em grandes prédios nas periferias das grandes cidades.

Subúrbios querem lançar movimento político
Mas quando acabou a bonança dos chamados “30 anos gloriosos” da França (1945-1975), empresas se deslocaram. Restou na periferia uma geração de filhos de imigrantes que, sem perspectiva e com pouca educação formal, se sentem hoje discriminados ou uma espécie de “franceses de segunda categoria”. Em Clichy-sous-Bois, de uma população de 29 mil, 15 mil são jovens de menos de 25 anos, e a taxa de desemprego chega a 40%. Abdel Eliot, de 24 anos, filho de marroquinos, conta que apesar de suas boas notas na escola, foi orientado para o setor de mão de obra. Sonhava ser advogado, mas se formou como eletricista. Agora, abriu em junho seu próprio negócio: desta vez, como infografista.

— Para as pessoas aqui (na França) eu não sou francês. Quando digo que sou francês, me perguntam logo: sim… mas você é de onde? — conta.

Em 2005, Sarkozy, então ministro do Interior do governo de Jacques Chirac, causou polêmica ao prometer limpar a periferia da racaille (escória) — isto é, se livrar de jovens imigrantes, que ele associou à delinquência. A morte de dois adolescentes que fugiam da polícia em Clichy-sous-Bois, pouco tempo após as declarações, detonou uma revolta incontrolável. Hoje, sete anos depois, com a França tragada pela crise europeia e o país dando uma guinada para a direita no discurso contra imigrantes, o problema nas periferias foi jogado para debaixo do tapete pelos candidatos.

Mas diante da falta de atenção da classe política, os subúrbios se organizaram. Na sexta-feira, uma caravana de ativistas saiu de Clichy-sous-Bois: vai passar por 20 cidades da França, coletando assinaturas para uma petição com propostas para a periferia, até Montpellier, no Sul da França. Várias associações por toda a França estão agora se organizando para lançar em maio — isto é, depois das eleições presidenciais — um movimento político das banlieues. A ideia é que moradores da periferia disputem eleições regionais e municipais.

Fatima Hani, mãe separada, de 40 anos, tentou mediar conflitos entre jovens e a polícia quando a revolta estourou em 2005, mas depois uniu-se a outros moradores para fundar a associação AC Le Feu — que se tornou hoje uma verdadeira força política na periferia.

Num pátio na frente do prédio onde Stéphane Denelle trabalha, um grupo de jovens, muitos drogados, passa a tarde sem fazer nada. Um deles disse:

— Não tem nada para falar, madame. Aqui é a miséria.

Nas periferias, por conta da descrença na classe política, algumas pessoas não querem nem votar. É o caso de Christine Krache, 41 anos, divorciada com 4 filhos, que trabalhava como faxineira, mas agora está desempregada. Ela mora no quarto andar do prédio sem elevador. O filho de 16 anos deixou a escola e já está se drogando.

— Minha vida é uma luta…é uma vergonha. Um trabalho, me daria coragem para continuar — lamenta.

No La Paillade — uma das raras periferias da França onde não houve revolta de jovens — prédios também estão sendo renovados. Mas as queixas dos jovens são as mesmas. Aziz Berrag, 27 anos, tem diploma em engenharia financeira, mas não consegue emprego no setor.

— Ou você tem diploma de menos…ou de mais. Meu pai veio do Marrocos para ajudar a construção da França, nos anos 70. Depois ele trouxe a família. Quando estava na escola no Marrocos, falava-se que a França era o eldorado — comentou Aziz, que nasceu num vilarejo no Marrocos onde não há eletricidade.

Associações evitam revoltas populares

Marwan Baraka, 26 anos, formado em contabilidade, está há seis meses procurando trabalho.

— Eu busco na França inteira e não encontro. Primeiro, dizem que não tenho experiência. Segundo, é a crise. E terceiro…talvez seja a minha cara. Eu me pergunto: será que somos muito franceses, ou franceses a mais neste país?

Um dos motivos para La Paillade não ter se revoltado em 2005, segundo analistas, é o fato de ter forte mobilização de associações. Mohamed Ait Ali Bouch, imigrante marroquino, hoje treina uma equipe de futebol de garotos de 13 e 14 anos, para mantê-los ocupados e longe de drogas ou confusão. Ele diz que há muitos problemas em La Paillade. Mas quando pensa que veio de um vilarejo no Marrocos onde o hospital mais próximo fica a 300 quilômetros de distância, ele suspira e diz: “Honestamente, estou bem aqui”.

O Globo