João Pessoa, 17 de março de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A discussão sobre o alcance da Lei de Anistia deverá ser reaberta na semana que vem no Supremo Tribunal Federal (STF). Está na pauta de quinta-feira um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra decisão da Corte que, em 2010, confirmou a anistia àqueles que cometeram crimes políticos no período da ditadura militar. Segundo a OAB, as Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional entendem que os crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais. A OAB também pede que o STF se manifeste sobre a aplicação da Lei de Anistia a crimes continuados, como o sequestro. “Em regra, (esses crimes) só admitem a contagem de prescrição a partir de sua consumação – em face de sua natureza permanente”, alega a entidade no recurso.
A tese que contesta a prescrição de crimes como o sequestro foi usada esta semana na ação do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva Sebastião Curió. Cinco procuradores acionaram a Justiça Federal no Pará para processar o militar alegando a participação dele no sequestro de cinco pessoas durante a Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. Segundo a denúncia, o grupo foi sequestrado por tropas comandadas pelo militar entre janeiro e setembro de 1974. Após sessões de tortura, não houve mais notícia do paradeiro de nenhum deles.
Para driblar a Lei de Anistia – que, em 1979, perdoou os ilícitos cometidos por militares e militantes -, os procuradores alegaram que o crime de sequestro é permanente enquanto as vítimas não forem encontradas. Com isso, os casos não poderiam ser enquadrados na Lei de Anistia, que só se refere a crimes cometidos até agosto de 1979.
Nesta sexta-feira, o juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá (PA), rejeitou a denúncia oferecida pelo MPF contra o coronel da reserva Sebastião Curió, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes capturados na guerrilha do Araguaia na década de 1970. Para o juiz, o Ministério Público tentou esquivar-se da Lei da Anistia ao propor a ação. O MPF informou que vai recorrer da decisão.
Em nota, os procuradores consideraram “insuficientes os fundamentos da decisão do juiz Otoni Matos, porque afirma que a Lei de Anistia é válida e alcança fatos passados, mas não considera que ela própria, expressamente, se refere a fatos ocorridos até 15 de agosto de 1979, não se aplicando, portanto, a condutas que se prolongam no tempo, como no caso do crime de sequestro referido na denúncia, de caráter permanente, já que não se sabe o paradeiro das vítimas”.No mesmo dia, pela manhã, a ONU divulgou um comunicado em que pede que o Judiciário brasileiro leve à frente a denúncia contra o militar. O texto diz que o acolhimento da denúncia contra o militar seria “um primeiro passo crucial na luta contra a impunidade que rodeia o período do regime militar no Brasil”.
Ao comentar o caso esta semana, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já previra que o debate sobre esta nova tese terminaria no Supremo.
– A minha posição quanto à Lei da Anistia é aquela do parecer que ofereci ao STF, de que os fatos estão cobertos pela anistia. (Os procuradores) sustentam uma tese diferente. Como os crimes estariam em andamento, não teria aplicação a Lei da Anistia. É uma questão jurídica nova que terá que ser examinada. Acredito que chegará ao Supremo – disse Gurgel na quarta-feira.
O Globo
OPINIÃO - 26/11/2024