João Pessoa, 15 de novembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Tanto poesia quanto psicanálise possuem alguma coisa do tarot. Ambas jogam com os arcanos do passado, do presente e do futuro; ambras apontam para perguntas e respostas na cartografia da existência; ambas são métodos de interpretação, teoria e terapêutica. Por isto não me parece absurdo aproximá-las e fundi-las. Afinal de contas, no jogo da vida, tudo tem a ver com tudo, estejam ou não as cartas marcadas.
Penso isso porque ando lendo e relendo O tarot poético, de Nelson Barros (João Pessoa: Ed. Do Autor, 2022), envolvido com os familiares impactos dos melhores estranhamentos.
Há, em seu curioso tarot, a possibilidade de múltiplos olhares, portanto de múltiplas leituras, recortando a insólita geografia da paisagem humana, com seus arquétipos, narrativas e formulações nem sempre compreendidas. Muito menos amadas.
Vejo um olhar primeiro e inaugural que descobre o ser na sua inteira contingência, ao abrigo das circunstâncias mais precárias, porém, com as marcas e os estigmas reais e simbólicos de sua incontornável condição.
Esse é o olhar que preside a direção e o sentido de todos os outros no tentâmen de capturar o fio de unidade que os compõe em forma e fundo. O olhar por excelência, que costura os enredos psíquicos e existenciais com a agulha da mais sólida palavra poética, mesmo que a flexibilidade prosaica contorne sempre seus passos secretos.
É aqui que sinto estar diante do chamado estético do texto, a seu jeito informe de falar o que tanto me toca. Esse chamado estético que também é chamado vital, convite-desafio para quem lê o idioma cifrado desse belo tarot, e o deixa, desarmado e nu, na nítida nudez dos códigos epifânicos ou na mais plena descoberta dos veios miraculosos da vida.
Ora me fala o olhar ecológico, com seus temas e subtemas cheios da mais saudável floração; ora, me guia o olhar feminino, a luz materna, o Yin que se concentra na ternura e na umidade; ora me inquieta o olhar ético de uma norma superior calcada no direito ao bem coletivo, ao gozo social, à fina tessitura da cambraia da justiça; ora o olhar erótico, com seu poder de fogo que não teme a sintaxe sisuda das tanatofobias inevitáveis.
À parte essa diversidade do olhar, uma diversidade na unidade, para me valer da feliz expressão de Jacinto Prado Coelho em estudo sobre Fernando Pessoa, O tarot poético de Nelson Barros propõe, em estilo livre e dialógico, sondagens heterodoxas acerca da memória, do amor, do tempo, da amizade, do silêncio, da mulher, da morte, entre tantas categorias físicas e metafísicas.
O tom tem fluência verbal e cadência rítmica; a perspectiva é de base humanística e pós-moderna, quase anárquica na sua empatia, sem dogmas nem preconceitos, para com o sofrimento, os desastres e os desencontros das criaturas.
Tarot de poesia, tarot de psicanálise. Às vezes quero crer que a poesia seria nada mais nada menos que um tarot psicanalítico, assim como a psicanálise, por sua vez, seria nada mais nada menos que um tarot poético. Nelson Barros deve saber, pois ele faz a escuta da alma e manipula seus resultados em palavras poéticas.
Leveza, criatividade, profundidade, conhecimento, sabedoria se conjugam, aqui, na construção de um mapa sígnico singular. Uma semiose perfeita entre verbo e imagem, entre espaços e linhas, entre letras e sinais, entre cores e sabores, a perseguir o imponderável do destino humano, em seus torneios de aflição e clamor.
Colunista do jornal A União, psicólogo de formação e por paixão, Nelson Barros é natural de Belo Jardim (PE), mas radicado em João Pessoa. Segundo ele, seu tempo se divide entre esta capital e Sagi, no Rio Grande do Norte, “uma vila de praia amada pelos pessoenses,” onde também canta samba “num pequeno grupo de pagode”. Publicou, em 2021, pela Empresa Paraibana de Comunicação e A União, o livro de crônicas, artigos e poemas, Coisas que escrevi para ela.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
TURISMO - 19/12/2024