João Pessoa, 15 de março de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
EVOLUÇÃO

Fósseis misteriosos seriam de nova espécie humana

Comentários: 0
publicado em 15/03/2012 ás 10h04

Quatro indivíduos de cérebro arredondado, rosto curto e mandíbula recuada podem escrever um novo capítulo da evolução humana. Seus fósseis, que teriam entre 11 mil e 14,5 mil anos, foram encontrados em duas cavernas no sul da China há décadas, mas só agora estudados por arqueólogos. Como ainda não foi possível extrair o DNA do material, os pesquisadores ignoram se esses hominídeos seriam Homo sapiens ou integrantes de uma nova espécie. Algo, porém, já é certo: a descoberta leva os holofotes à Ásia, continente que, mesmo concentrando mais de metade da população global, quase nada sabe sobre o início de sua ocupação.

A mistura de traços modernos e arcaicos nos vestígios encontrados denuncia uma população que sumiu sem deixar descendentes. Além de ser um sinal de que, da África, berço da nossa espécie, saíram tipos mais diversos do homem moderno do que a ciência imaginava. Por falta de uma definição biológica, os indivíduos descobertos estão sendo chamados pelos cientistas de “povo do veado vermelho”. Dois motivos: uma das cavernas onde estavam os fósseis chama-se Maludong (“veado vermelho”); além disso, o animal fazia parte do cardápio desses hominídeos.

Em Maludong, que já foi uma pedreira, os fósseis foram encontrados em 1989; em Longlin, a outra caverna, a descoberta ocorreu dez anos antes. Mas, por falta de interesse ou estrutura, as peças permaneceram em gavetas até 2008, quando uma equipe liderada pelo antropólogo Darren Curnoe, da Universidade de New South Wales, na Austrália, comparou o material das duas localidades e foi atrás de novos vestígios. Mesmo situados em províncias diferentes — embora ambos no sul da China —, todos pertencem aparentemente ao mesmo povo.

O que mais surpreendeu Curnoe e sua equipe foi a comparação entre o crânio daquele povo com outros grupos pré-históricos. Havia grupos semelhantes, mas na Nigéria e na África do Sul, e bem mais antigos, de 100 mil anos atrás.

Pouco depois disso, há cerca de 80 mil anos, o homem moderno deixou a África para explorar a Eurásia. Até chegar a Austrália, o que teria ocorrido 20 mil anos depois, várias populações ficaram no caminho. Curnoe acredita que o povo estudado por ele seria uma dessas. Pensa, também, que o grupo teria sobrevivido à Idade do Gelo, por volta de 11 mil anos atrás, quando houve radicais mudanças climáticas. O descongelamento do planeta exterminou boa parte da megafauna — inclusive o veado vermelho.

Segundo o arqueólogo, a comunidade que estuda seria de caçadores-coletores, ou seja, eles obtinham seus alimentos por fontes selvagens. Dessa forma, viviam dispersos pela paisagem, em pequenos grupos familiares.

— Uma das principais questões para o estudo da evolução humana é a falta de definições biológicas satisfatórias relacionadas à nossa própria espécie — explicou Curnoe ao GLOBO. — Por isso precisamos ter muita cautela em classificar o povo do veado vermelho. Acredito, no entanto, que ele seja representante de uma nova linha evolucionária. Seu crânio é anatomicamente único. Ele parece muito diferente dos homens modernos, seja os de hoje ou daqueles que viveram na África 150 mil anos atrás. E, também, porque eles sobreviveram até há 11 mil anos, um período em que muitas populações semelhantes ao homem moderno viveram ao mesmo tempo no Oriente, mas ele deve ter se isolado delas.

Os pioneiros na exploração da Ásia são praticamente desconhecidos. Até agora, nenhum fóssil com menos de 100 mil anos havia sido encontrado nas terras continentais do Leste do continente. O Denisova hominin, já conhecido pela ciência, viveu nas cavernas da Sibéria até 1 milhão de anos atrás. E as ilhas indonésias foram lar de outra espécie primitiva: o Homo floresiensis, que, devido ao seu porte nanico — tinha apenas 1 metro de altura — é conhecido como “hobbit”.

— Esta espécie ainda é um grande mistério para a ciência — admite Curnoe. — Ela lembra muito as primeiras formas do gênero Homo, encontradas na África milhões de anos atrás. São muito diferentes do povo do veado vermelho, que parece com o homem moderno. Certamente os “hobbits”, no fim da Idade do Gelo, já estavam isolados nas ilhas da Indonésia, e, por isso, não tiveram contato com a população que analisamos agora.

A comunidade científica internacional espera que, com a abertura da economia chinesa e de vizinhos do país, arqueólogos consigam encontrar novos ascendentes do homem moderno. E, assim, fique comprovada a variedade de nossa herança genética.

— Sabemos muito pouco sobre as fases recentes da evolução humana na Ásia. Com nosso estudo, mostramos como é complicada e interessante nossa própria história logo após a Idade do Gelo. Havia uma grande diversidade de populações, algo que, uma década atrás, não tínhamos ideia que acontecia.

A descrição dos homens das cavernas foi publicada esta semana na revista “PLoS One”.

O Globo