João Pessoa, 13 de dezembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Perguntei ao balconista do sebo se tinha alguma edição de A dama do lago, de Raymond Chandler (foto). Ele conferiu no computador e me trouxe dois exemplares do romance. Um, da Brasiliense, coleção “Círculo das Letras”, e o outro, da LPM Pocket.
Adquiri as duas edições, mas a que reservei uma atenção toda particular foi a da Brasiliense, datada de 1984, com tradução de Marcos Santarrita.
Por que?
Ora, porque nela constava (consta) a seguinte dedicatória do próprio punho:
“Juntos estamos. Unidos continuamos. Lindo é estar a seu lado, indo, vindo e vivendo. Não há muito a dizer, somente obrigado por sua existência. Da filha que te ama. Eneida. 12∕08∕84”
Tenho uma queda especial por livros com dedicatória do próprio punho, embora não seja um cultor muito apaixonado pela ficção policial, com exceção, é claro, de alguns nomes, como Raymond Chandler, Dashiel Hammet, Conan Doyle e George Simenon, só para citar os mais conhecidos e mais amados.
De filha para pai, e com tanto carinho e gratidão nas palavras, fico imaginando qual o elo de leitura os juntou no cenário romanesco deste clássico da ficção policial. A fábula, com seus intrincados nutrientes de situações e suspense? A trama, cerrada e compósita, na medida e severa organização de sua estrutura? Os personagens? O mistério? O crime? O estilo?
Não se sabe. A dedicatória não diz. Mas Raymond Chandler, ninguém duvida, é um mestre do gênero. Talvez mais que um mestre, um inventor, se recorro à sempre válida e pertinente tipologia de Ezra Pound.
Ruy Castro, no perfil que lhe traça, em Saudades do século XX, assinala, a certa altura, ser ele aquele romancista que depois “que você começa a ler, torna-se um perigoso hábito”. E, mais adiante, referindo-se a alguns de seus romances, como, por exemplo, Adeus, minha adorada, A irmãzinha, O sono eterno e Playback, afirma: “Quem lê um desses, está fisgado. A vida perde o sentido se não se lerem os outros”.
Assino embaixo!
O detetive Philip Marlowe é um personagem sedutor, intrigante e enigmático. O estilo de Raymond Chandler, com suas descrições detalhadas e suas comparações originais, uma que outra digressão filosófica, contém a força estética peculiar ao vigor dos grandes escritores da alta literatura. Edmund Wilson, por exemplo, achava que seus livros deveriam ocupar “as prateleiras mais sérias”, e o poeta W. H. Auden via sua leitura “não como literatura escapista, mas como obras de arte”.
Isto, sem falar na atmosfera tensa e melancólica que envolve muitas das situações protagonizadas por seus personagens. Nele, como em George Simenon, o dado psicológico se associa ao desenvolvimento da ação.
O pai, não estarei equivocado em supor, deveria ser um amante da boa ficção policial. A filha, é possível, pode ter seguido seu exemplo. Ambos indo e vindo, unidos, caminhando e vivendo os valores e os prazeres que a leitura, sobretudo a leitura compartilhada, pode nos ofertar.
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OPINIÃO - 22/11/2024