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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Dois patinhos na lagoa

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publicado em 16/12/2023 ás 07h00
atualizado em 15/12/2023 ás 18h15

Talvez eu prefira o circo, mas quando o comparo com o parque, fica empate. A roda gigante, os cavalinhos, os bate-bates, os balanços… Os parquinhos das festas das padroeiras, vívidos como a nostalgia de Evaldo Braga:

Sorria, meu bem, sorria

Da infelicidade

Que você procurou

Pequeninha, a primeira roda gigante que conheci foi em 1972, quando deixei a zona rural e fui estudar em Uiraúna. Cheguei à noitinha, olhos arregalados engolindo a cidade, coisas da pré-adolescência incendida pela impaciência dos sonhadores.

Quando, em 1979, morei no bairro da Estação, em Sousa, sempre tinha um deles no pátio da Igreja, mas eu já caíra nas intempéries da vida adulta, muito embora tenha me encantado com o locutor cantando as pedras do jogo do bingo:

— 22, dois patinhos na lagoa!

O circo chegou-me 6 anos antes, em uma tarde solitária. As nuvens vagavam de um lado para o outro sem saberem ao certo o que fazer. Eu as seguia, afinal os meus sonhos eram como elas: esgarçados e sem destino.

De repente, tudo parou de tanta curiosidade. Sim, ali, no terreiro da minha casa, um ponto cego do universo, nos confins do alto sertão da Paraíba, um gafanhoto em cima de um varapau nos chamando para o maior espetáculo da terra:

— Hoje tem espetáculo?

—Tem sim, senhor.

— Hoje tem espetáculo?

—Tem sim, senhor.

Carimbaram meu pulso. Eu entraria de graça.

Vesti a única “camisa de sair”, amarela, tecido grosso que assava meu sovaco, comprada há três anos na safra boa de algodão. Papai escovou o bigode; mãe vestiu um vestido de bolas grandes e ramalhares floridos; minhas irmãs, sei lá, não me lembro, mas tudo em nós era circo também, puxados para os palhaços mais tristonhos.

Para nós, Areias era metrópole. 15 casas de cada lado, uma igrejinha no meio. O motor a diesel foi ligado mais tarde, para economizar energia. Todos  cheiravam ou fediam a sabonete alma de flores. Cordas protegiam as 30 cadeiras. Sentamo-nos na última fila, mas como tudo girava ao meu redor, adormeci no colo de minha mãe. Eu era tão pequenininho!

@professorchicoleite

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