João Pessoa, 20 de dezembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Sérgio de Castro Pinto acaba de publicar, pela editora arribaçã, de Cajazeiras (PB), O leitor de si mesmo, reunião de textos críticos extraídos de sua coluna em A União. A considerar os dois títulos anteriores, O leitor que sou (2015) e O leitor que escreve (2020), quero crer que me vejo diante de uma trilogia que tem, no exercício ensaístico, seu objetivo e sua caracterização. A propósito, disposição iniciada com A casa e seus arredores (2006), a que prefaciei.
Leitor de si mesmo é qualquer poeta. E diria, leitor crítico, uma vez que a elaboração de um poema também se perfaz como um ato crítico. Um ato de sondagem, de investigação, de escolha e de medida.
Se o lirismo às vezes brota e se expande pelo complexo emocional, aquilo que Mário de Andrade via como o primeiro momento da criação, é necessário, numa segunda instância, a inflexão da técnica, a tarefa crítica, a disciplina metalinguística, no escopo de que o poema possa se consumar na harmonia do som e do sentido, do conteúdo e da forma.
Quem acompanha, por exemplo, a criação poética de Sérgio de Castro Pinto sabe perfeitamente que o autor de A ilha na ostra, desde seu primeiro livro de poemas, Gestos lúcidos, de 1967, vem como que fazendo a antologia de si mesmo, na medida em que, aos novos e inéditos textos junta aqueles que, na sua leitura crítica, devem permanecer como valores fundamentais de sua trajetória poética.
Aí está, penso eu, o germe primordial de sua postura analítica e exegética. O poeta, portanto, com o habitual domínio da linguagem, com a intimidade que mantém com o sigilo dos vocábulos, com a experiência de suas leituras estéticas e literárias, como que preside o olhar desse leitor “que sou”, diz ele, e que escreve.
Quero assinalar com isto que o poeta se imiscui pela aventura do ensaísta, captando por dentro os meandros da fenomenologia literária, ao mesmo tempo em que se exercita na liberdade de pensar, pesar e avaliar a variedade de material expressivo que lhe chama a atenção na mágica rotina da leitura.
Seguindo a mesma estratégia das obras anteriores, talvez com a diferença de que nesse volume parece privilegiar mais os autores locais, Sérgio de Castro Pinto dialoga analiticamente com seus pares, entre novos, consolidados e canônicos, dentro do nosso microssistema literário.
Em geral, são textos curtos, porém, detentores de uma mirada crítica que toca sempre no essencial do problema, isto é, nesse ou naquele aspecto que, temática ou formalmente, constitui a garantia estética das obras abordadas.
Em Aline Cardoso, por exemplo, ressalta a heterodoxia do lirismo, destacando seu despojamento e sua tática antirretórica naquilo que resume como “flores de aço”, uma vez que são flores “que vergastam como chicotes, que cortam como lâminas, mas que possuem uma ternura implícita, oculta nas entrelinhas”. Face aos haicais de Paulo Sérgio Vieira se atém, entre outras marcas, à alogicidade do lirismo, na sua concepção, um tipo de “rebeldia quando ele passa a afirmar incisiva e peremptoriamente que uma coisa é outra, que isso é aquilo, aproximando o próximo do aparentemente distante, celebrando uma espécie de núpcias dos contrários”. Acerca de O feudo do morto, livro de estreia de Elmano Menezes, salienta o toque de maturidade, afirmando que não se trata “de um livro de estreante, de quem se inicia nas lides literárias, mas de um poeta cuja estreia tardia contribui para que ele melhor terçasse e esgrimisse os seus instrumentos de trabalho”.
E por vai, trazendo à tona, em suas considerações, nomes como: W. J. Solha, Maria de Fátima Barros, Vital Corrêa de Araújo, Antônio Mariano, Walter Galvão, Pedro Américo de Farias, Fernando Monteiro, José Rodrigues de Paiva, Carlos Newton Júnior, Vitória Lima e tantos outros.
Poderia citar e citar mais exemplos de seus percursos exegéticos e demonstrar, a largo, o modo de proceder do poeta diante da criação alheia. Satisfaço-me, no entanto, com os exemplos referidos, para meditar a respeito de duas notações que me parecem se sobressair no discurso crítico do autor de O cerco da memória.
A primeiro reside na própria epígrafe do livro, tomada à Marcel Proust, e na ideia de que “todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo”. A obra alheia funciona como um “instrumento óptico” a revelar coisas que, sem ela, o autor “não teria certamente visto em si mesmo”.
Perfeito.!
Acredito, portanto, que quando Sérgio de Castro Pinto fala dos poetas, e principalmente dos poetas, fala também, nas entrelinhas e por atalhos oblíquos, de seu ideário específico diante da poesia, de suas ferramentas peculiares diante da composição do poema, da estética particular e da ética possível que regem o andamento das palavras na consecução do texto poético.
A segundo concerne ao comportamento estilístico e seus desdobramentos. Em que pese a natural prevalência da função referencial nos textos que escreve, no ensaísmo que expõe, na crítica que faz, Sérgio de Castro Pinto não esquece, em nenhum momento, o poeta que é. E por isto, a sua palavra crítica também é palavra poética, na medida em que o brilho da frase, o calor dos vocábulos, a riqueza figurativa, a economia de meios chamam a atenção para si mesma.
É ler e conferir.
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TURISMO - 19/12/2024