João Pessoa, 26 de dezembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A tecnologia e as redes sociais, que estreitaram a relação das pessoas e conectou o mundo de uma forma nunca antes vista, também têm seus lados negativos. As fake news assombram a sociedade contemporânea, os processos eleitorais e a reputação das pessoas. Não é um fato novo, mas cada vez mais aparenta ser impossível de ser solucionado e altamente destrutivo.
Nesta última semana, a jovem Jéssica Canedo foi vítima de prints falsos de uma conversa com o humorista Whindersson Nunes, onde mostrava um possível relacionamento entre as duas partes. As imagens da conversa falsificada eram falsas, mas perfis de celebridades no Instagram e Twitter compartilharam e expuseram a jovem para milhões de pessoas sem checar. Ela cometeu se suicidou na sexta-feira (22).
Mineira, Jéssica sofria com quadro de depressão, de acordo com a própria mãe, que confirmou o óbito nas redes sociais. Uma das páginas, a maior delas, que divulgou nome e fotos de Jéssica, foi a Choquei. Mesmo após a morte, a página não se pronunciou oficialmente, mas a cobrança das pessoas fez com que a página soltasse um comunicado jurídico e interrompesse as postagens.
Depois da repercussão, uma possível solução voltou a ganhar espaço e importância. A regulamentação das redes sociais, também conhecida como PL das Fake News, é uma matéria que tem o apoio da base governista, mas muitas considerações por parte dos opositores. Atualmente, o projeto de lei se encontra parado na Câmara dos Deputados, mas foi aprovado em 2020 pelo Senado.
+Hora H em Brasília: base e oposição divergem sobre PL das Fake News
Ao programa Hora H, da Rede Mais Rádio, desta quarta-feira (27), o advogado Henrique Toscano, especialista em direito constitucional, afirma que a medida se torna necessária pelo crescimento da propagação de fake news nos últimos anos. Apesar da existência de processos legais que ajudam na punição contra fake news, nada impede que a mentira se espalhe.
“O debate sobre a regulamentação é exatamente necessário porque esses instrumentos, por si só, não tem a eficiência, a eficácia e a rapidez para que as fake news não se propaguem de forma a causar estragos na vida de pessoas, inclusive de jovens que se veem em situações extremamente vexatórias ou tendo sua vida exposta. É importante que haja uma forte regulamentação”, disse.
A própria matéria ganhou um novo adepto: Whindersson Nunes. Em declaração sobre o caso nesta segunda-feira (25), o humorista disse que havia recebido os prints da conversa e negado a veracidade. Além disso, ele quer criar a Lei Jéssica Vitória Canedo”, para justamente evitar que novos casos como esse aconteçam.
“Que essa lei traga uma sanção civil ou criminal para essa pessoa que posta uma conversa pública, que não vai atrás da verdade dos fatos. E, pelo que eu vi, tem muita gente de diversas áreas que está estudando para a gente fazer esse documento e fazer o que for preciso: se for assinatura, quantas assinaturas, me diga como fazer e a gente vai atrás.”
A “PL da Censura”
O Projeto de Lei (PL) 2630/2020 ficou muito conhecido pelos opositores como “PL da Censura”. Na verdade, não somente deputados e senadores se mostraram descontentes com a matéria, mas também empresas de tecnologia, como o Telegram e o Google. Após a aprovação da urgência na Câmara dos Deputados, em abril deste ano, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) criticou um detalhe do projeto.
+Opinião: debate do PL das fakes news tem falso dilema liberdade X responsabilidade
“Isso daqui é algo tão absurdo, porque esse PL da Censura estabelece em seu artigo uma entidade de supervisão, que é composta por integrantes do Executivo do presidente Lula. Nós teremos uma entidade, feita por integrantes do Governo Lula, para supervisionar, fiscalizar tudo que você posta”, disse o parlamentar a Jovem Pan News.
No entanto, de acordo com o relator da proposta na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), em agosto deste ano, o órgão regulador seria definido pelos próprios líderes dos partidos, para direcionar o funcionamento da regulamentação dessa entidade. Além disso, liberdade de expressão, transparência e responsabilidade seriam pilares deste PL.
“A rede social, os veículos de imprensa, todos aqueles que são canais de divulgação de informações precisam ter responsabilidade daquilo que permitem divulgar. A regulamentação existe no Marco Civil da Internet, aprovado em 2014. No entanto, o avanço da tecnologia e a resistência de alguns provedores ou redes sociais, as chamadas ‘Big Techs’, têm feito que a remoção dos conteúdos seja mais lenta”, apontou o advogado Henrique Toscano.
Apesar de muitos parlamentares serem contra a matéria, uma das principais iniciativas é a retirada de conteúdos criminosos nas redes sociais. Após indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino ressaltou a importância da matéria para a deputada Carla Zambelli (PL-SP): “A senhora chama de “censura” prevenir crimes como pornografia infantil, instigação de suicídio e planejamento de assassinatos? Deputada, nós chamamos isso de cumprimento da Lei, por isso estamos lutando e as medidas que faço são amparadas na Lei”.
A falta de responsabilidade da Choquei
Com quase 21 milhões de seguidores no Instagram, mais de 6,8 milhões no Twitter e um dos maiores engajamentos entre todos os perfis no mundo, a Choquei se notabilizou, inicialmente, com o conteúdo de fofocas, mas escalou e cresceu na época das eleições. Desde então, os usuários notaram uma constância de propagação de ódio, desinformação e caça cliques desde então.
“A regulamentação das redes é muito mais um apelo para que haja uma ação rápida e eficaz, para conteúdos notoriamente falsos — desmentidos, inclusive, pelas pessoas no caso dessa página de fofoca, a Choquei, tanto a parte famosa, Whindersson Nunes, e a moça se manifestaram publicamente que era mentira e mesmo assim aquilo ficou perpetrado”, disse o advogado.
A página que publicava diversas vezes todos os dias está a três dias sem novas publicações. A última postagem foi justamente a retratação jurídica sobre o caso. Na oportunidade, a página administrada pelo fotógrafo Raphael Sousa diz que não cometeu nenhuma irregularidade. Confira a nota completa da página:
“Lamentamos profundamente o ocorrido e nos solidarizamos com os familiares e todos os afetados pelo triste acontecimento. Reforçamos nosso compromisso em agir com diligência e responsabilidade. O perfil Choquei (@choquei) por meio de sua assessoria jurídica, vem esclarecer a seus seguidores e amigos que não ocorreu qualquer irregularidade na divulgação das informações prestadas por esse perfil. Cumpre esclarecer que não responsabilidade a ser imputada pelos atos praticados, haja vista a atuação mediante boa-fé e cumprimento regular das atividades propostas. Em relação aos eventos que circulam nas redes sociais e que foram associados a um trágico evento envolvendo a jovem Jessica Vitória Canedo, queremos ressaltar que todas as publicações foram feitas com base em dados disponíveis no momento e em estrito cumprimento das atividades habituais decorrentes do exercício de direito à informação. O compromisso deste perfil sempre foi e será com a legalidade, responsabilidade e ética na divulgação de informações dentro dos limites estabelecidos na Constituição Federal, em especial ao art. 5º, inciso IX. Por fim, reafirmamos nosso respeito pela intimidade, privacidade, bem-estar e pela integridade.”
Leonardo Abrantes – MaisPB
OPINIÃO - 22/11/2024