João Pessoa, 29 de dezembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

How are you

Comentários: 0
publicado em 29/12/2023 ás 07h00
atualizado em 28/12/2023 ás 21h27

Chamava-se Manhosa, mas era uma vaca bruta e besta. E linda. Era minha, meu pai dizia, mas dela  eu só tive um proveito, um filho seu, ao qual chamei “How are you”.

Isso mesmo, coisas de um garoto matuto de catorze anos que teve, pela primeira vez, aulas de Inglês ao cursar a quinta série ginasial no Colégio Estadual de Uiraúna.

De verdade, nunca quis saber o que diabos significava “How are you”. O que me importava era a novidade  e a oportunidade de importar da cidade para o sítio aquelas palavras mal pronunciadas por minha mãe  ao tentar, à tardinha, colocar Manhosa no curral:

— How are you! How are you! How are you! —Berrava mãe em desespero.

How are you nem mugia ao chamado da minha mãe. O bezerro maluvido era bonito de doer nos olhos, mas puxara à desobediência da mãe dele. Punha o rabo dentro das pernas, abanava as orelhas brancas da cor de raspa de coco, buscava mais um talo magro da grama no solo seco e punha a andar em direção contrária à do curral.

Às vezes, Bia e Flaviana também tentavam chamar a atenção do bezerro, mas ele torcia o rabo e rebolava os quartos, isto quando não desandava em uma carreira por dentro da mata tecida de marmeleiro, canafístulas, jurema braba e outras plantas espinhentas e fedorentas.

Um dia eu completei 16 anos e meus neurônios ficaram entupidos de enganos adolescentes. Eu já vira em uma lojinha do mercado central de Uiraúna um relógio “Orient”, tão brilhante quanto o pelo de How are you, só que amarrado em um preço bem distante dos meus sonhos.

Mas como todo ponteiro tem tempo certo, How are you tomou peso, expandiu os quadris, ficou obediente como estivesse se preparando para o abate, o pobrezinho.

Não lembro por quanto How are you foi vendido, mas o fato é que em uma tardinha de sábado radiante, eu, no terreiro da casa de Dedé, desci de uma camionete velha vindo da cidade: o relógio folgado no meu braço desajeitado e orgulhoso, mas logo descobri que o objeto era falso e o meu braço era muito magro e arrependido.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB