João Pessoa, 03 de janeiro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Poeta,
andei com você
pelas várzeas do engenho.
Lia o Eu como se lesse
a descoberta de minha vida.
Sei
que muita cana moeu
a sua dor.
Sei
da tristeza que o povoou
nas noites insones
e estreladas.
O finado Toca o esperava
‘a sombra do crepúsculo,
a grama do rio copulava
com a luxúria dos charcos,
as vazantes das margens;
os morcegos se esticavam
pelos labirintos dos telhados,
o eterno rio Paraíba era uma Ilha,
a Ilha de Cipango.
Vamos, poeta,
beber uma zinebra
naquele bar depois da Ponte
Buarque de Macedo,
assombrados com o magro
lirismo da lua, paralelepípedo
quebrado,
cismados com o destino,
certo de que todos somos
doentes.
Quero fazer de você,
meu poeta, meu pai
de verbo e infortúnio,
a minha pequena canção
de amor de J. Alfred Prufrock,
passando pela terra
desolada,
num superior abandono.
Poeta,
beba, comigo, este conhaque,
e me declame o último soneto.
Diga a mim que viu,
como Elias, num carro azul
de glórias,
seu pai subindo aos céus,
e que Jesus Cristo, bêbado,
perdido, caminhava
pela Serra da Borborema,
exatamente como eu,
que, ainda hoje, bebo
e me perco no perfume
de seus versos.
Somos dois exilados!
Você morreu
em terras serranas,
com a graça da neblina.
Eu, ainda,
estou por aqui,
entre feras e alumbramentos.
Se quiser ir a Sapé,
espiar a beleza de Zênia,
os abacaxis da pequenina vila,
seu mercado de esoterismos,
o melhor corrupião,
abrir a porta indecifrável
do brejo,
fale comigo, poeta.
Serei seu guia sob os adágios
do quarto minguante.
Amei muito por ali,
entre achados e perdidos.
Suas queixas noturnas
serão meus passos
nessa noite andarilha
e caprichosa.
Risco um fósforo
para alumiar nossa loucura.
Sei que há remigios
na flora de seus poemas,
umidades cintilantes,
pecados mortais, a melhor
palavra.
E tudo me parece
atmosfera de milagre.
Augusto,
estamos agora no Bar
do Lipa.
Enquanto você me fala
de Comte e do Rig Veda,
de Darwin e Shopenhauer,
eu falo de Amália,
ou de Ismália, a que se atirou
no mar.
Alphonsus, claro,
não pode vir. Minas
é longe, Minas não há mais.
Cruz e Souza,
também não.
Mas, Lúcio se achega
por aqui,
com seu verso milimétrico,
o eco dos búzios,
o sal dos náufragos.
Vanildo vem do Cariri
só para olhar dentro
de suas imagens mutiladas.
Assunção o leu melhor
do que todos nós.
O poeta Irani,
seu desespero e seu sertão,
traz, no matulão da poesia,
como oferenda para irrigar
a paleontologia dos carvalhos.
A louca da casa
se senta conosco,
o cemitério marinho
libera seus fantasmas,
as catedrais se desmoronam,
a monera faz sua coreografia
nos espaços,
as águas lamentam a lágrima
da energia abandonada,
nenhuma grade aprisiona
o abstrato das saudades.
Eu, poeta,
que farei de mim?
Que verso ficará comigo,
quando pararem todos os relógios
de minha vida?
(Do livro inédito, No fim de todas as coisas).
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OPINIÃO - 22/11/2024