João Pessoa, 08 de janeiro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Dizer que não sou escritor, a quem assim me chama, já se tornou um mantra para mim. Não sou escritor, porque não vivo do que escrevo. Escrevo por hábito e por gosto, mas sem qualquer pretensão ou ânsia de ficar famoso e ser reconhecido em cada esquina, ou de ganhar dinheiro com os meus escritos. Como vejo, no entanto, escritores – alguns são, outros supõem ser – dando diretrizes ou ministrando cursos a pessoas que querem se tornar, como eles, escritores, eu resolvi, gratuitamente, dar os meus conselhos. Sei que não serão levados em consideração, exatamente pelo fato de que, além de gratuitos, ninguém os pediu. Mas seguirei adiante com o meu propósito.
Como se compõe um livro que agrade e faça sucesso, livro que não sendo a quintessência literária, tornar-se-á, certamente, um dos grandes romances da Literatura dita Universal? Vejamos.
Peguemos alguns personagens planos e vamos enchê-los de muitas emoções. Um personagem instável economicamente e com ideias de vitória nas empreitadas quase sempre fadadas ao fracasso, mas um retórico e epistológrafo incorrigível; não esqueçamos de criar um personagem abjeto, rastejante, untuoso por cálculo, em quem a hipocrisia fez morada eterna; coloquemos em oposição duas personagens femininas, sendo uma senhorita austera, porém correta, e outra austera, mas verde de hipocrisia.
Sempre cai bem um pouco de malignidade, sobretudo, vindo de dentro da família. Não negligenciemos a figura de um padrasto mau, opressor de doce e ingênua mãe viúva com inocente filho pequeno, que se torna órfão, foge, disciplina-se, torna-se um homem e, com persistência, um escritor renomado. Sempre haverá lugar para pessoas rudes, de baixa escolaridade, mas com bom coração, porque ser bom não se aprende na escola ou com leitura. Ponhamos, então, um pescador ignorante, mas determinado em sua busca para expressar o seu perdão por amor; outro, resignado, em seu amor rejeitado, dando a vida por estranhos.
Acrescentemos uma pitada de lugar-comum, mas convincente, porque sempre é melhor o provável que persuade. Para isto, nada melhor do que criarmos uma personagem feminina, uma moça que se deixa enganar por um rapaz rico, sendo, depois, por ele desprezada. Em contraponto, coloquemos duas outras: uma sonhadora e amorosa, que morre prematuramente; outra determinada e consciente de seu amor, esperando calada a sua realização ou não. Um pouco de dedicação incondicional e de rivalidade dão um toque especial, no romanesco do enredo: pensemos, então, numa babá que tudo faz pelo seu pequeno, mesmo que ele tenha crescido e se tornado um homem, e em dois jovens, enfim, que se opõem pela sua prepotência e pela sua seriedade.
Coloquemos tudo isto em um cadinho chamado Inglaterra da metade do século XIX e façamos a ambientação girar entre a cidade e o litoral; o Tâmisa e o mar; Londres e Dover; quartos de pensões e uma casa-barco; casas ricas e chalés acolhedores; aristocracia e classe média; classe média e pobres; letrados e poucos letrados; morte prematura e um amor de infância realizado… Ponhamos, finalmente, nas mãos de alguém que escreva abundantemente, mas cujo resultado nunca seja a lassidão; alguém que saiba retomar todas as pontas e conduzir com energia a narrativa, como, por exemplo, Charles Dickens… e teremos David Copperfield. (foto)
Além dos conselhos dados, caríssimos aspirantes a escritores, reproduzirei uma pequena história, contada por Luciano Canfora em A biblioteca desaparecida (Companhia das Letras, 1989, p. 36), livro sobre a famosa Biblioteca de Alexandria.
Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito alexandrino, no início do século III a. C., por sugestão de seu conselheiro Aristeu, encomendou a tradução da Bíblia a 72 sábios hebreus, seis de cada uma das Doze Tribos de Israel. Quando Ptolomeu os recebeu em Alexandria, cidade que tinha 400 teatros, à época (sim, quatrocentos teatros!), festejando o fato com um banquete de sete dias, ele fez muitas perguntas aos sábios, como demonstração de que a Biblioteca de Alexandria não era, para si, apenas um ornamento. A resposta de um dos sábios hebreus a uma das perguntas foi, no entanto, simples e desconcertante. Ao lhe perguntar como deveria empregar seu tempo livre, Ptolomeu obteve a seguinte resposta: – Deves ler.
Perdoem-me, caríssimos, a ironia inicial, quando dos conselhos para se tornar um escritor. O fato é que para encarar o ofício de escritor, algumas necessidades são essenciais: ler bastante e sempre, escrever todos os dias, ter um pendor para escrever – isto não se ensina – e, sobretudo, manter a persistência nos dois primeiros itens. Ao fim e ao cabo, o exercício constante garantirá um bom resultado na escrita, podendo até garantir a qualidade do que se escreve, mas não é certo que assegure o sucesso.
Se quereis, portanto, caríssimos postulantes, ser escritores, aceitai o conselho do sábio hebreu a Ptolomeu Filadelfo: antes de tudo, lede!
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VÍDEO - 14/11/2024