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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Nada é o que parece ser

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publicado em 09/01/2024 ás 07h00
atualizado em 09/01/2024 ás 07h31

No primeiro domingo do ano, às 8h, fui ao set de filmagens do ProjetoK  (que é sempre mantido em sigilo), revelado só nas postagens. Numa travessia intrínseca, cuja intenção era filmar o Obelisco da Praça da Independência, sempre paro o carro noutra estação, e sigo a pé. Todo cuidado é pouco. Dia de domingo, a cidade está mais vazia do que em dias de carnaval.

Antes deixa eu contar uma história – andei muito de ônibus e lembro que quando comprei um fusquinha 74 a escritora Vitória Lima me deu parabéns e disse: “Poxa K, vou ficar sem as cenas que você via da janela dos ônibus”. Nada é o que parecer ser, querida Vitória.

Vitória é vitoriosa – quando perdeu o filho, o jornalista Rodrigo, que era bonito, numa sessão de filmagens para sua monografia do curso de Comunicação  – que hoje chamam de TCC, ela foi do caos ao amém. Rodrigo estava filmando num terreno minado e o gás explodiu e levou seu menino.

Numa das curvas que da Praça da Independência, da janela do ônibus eu vi um casal de mãos dadas e achei  que a cena renderia um conto. Ponto. Eles deviam ter uns 60 e poucos anos. Noutro dia, o mesmo casal sentando num banco da praça, estava aos beijos, muito beijos, ele pagando nos seios dela… fiquei puxando fogo. 1982 fiz um texto com esse título “Os independentes”. É uma historieta besta.

Voltemos ao set de filmagens do ProjetoK. Fui adentrando o espaço da praça, com meu revolver no bolso, minha arma quente, o celular, que estou a precisar de um mais novo para caprichar nas imagens, mas minha mulher só fala numa geladeira tamanho família.

Se eu tivesse um miaeiro,  daria no pé. Eu com meu leãozinho de ouro e prata e filós de nylon, bem sei que a água não é um mineral, nem qualquer planta é vegetal, mas nunca deixaria João Pessoa, “a cidade vegetal”, a capital profetizada por Seu ZéAmérico.

A imagem mais fascinante, porque à ígnea terra sem o astro e o abismo e a vida em sina, para além do bem e do mal, já estava no centro da praça quando vejo sentado num dois homens marombados cada um com seu Pitbull. Gelei, pensei em correr, mas sou um ex-covarde e o melhor era prosseguir mesmo com as pernas tremendo feito vara verde. Não dei bom dia, mas vi um vulto parecia com Tituba (foto) ao lado do Obelisco, a escrava no século XVII pertencente a Samuel Parris. Juro que vi.

Filmei o Obelisco e quase me belisco para saber se estava vivo. Na desordem do mundo, aquela fração de segundos, ou  tudo ou nada, e eu ali diante do terror, da beleza, isso, o terror da beleza delicadíssima que me trouxe para casa.

Nada é o que parece ser? Então meta o dedão do pé em uma quina.

Kapetadas

1 – Beba da fonte da previsibilidade e vire o nostradamus contemporâneo.

2 – Eu acho que as funcionalidades não valem o que pedem.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB