João Pessoa, 10 de janeiro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Autor de dois livros de poemas: Olhares: poemas bissextos (2008); A medida do possível e outros poemas da aldeia (2011), e de um de artigos e crônicas, Um dedo de prosa: escritos da aldeia (2014), Francisco Gil Messias já ocupa espaço merecido na cena literária e intelectual da Paraíba.
Não faz vida literária, não se deixa seduzir pelo barulho de grupos nem pelo aconchego, nem sempre confortável e pacífico de certas instituições, assim como se porta absolutamente avesso a proselitismos, autopromoção e merchandising artísticos, tão ao gosto de muitos escritores e pseudo-escritores da província.
Seu compromisso parece ser o cultivo da palavra. Quer seja a palavra sensível, tocada pela memória e pela fantasia peculiares aos diâmetros do poema, quer seja a palavra intelectiva, voltada para a investigação das propriedades dos objetos e dos fenômenos, em sua incontida ressonância pelo movimento da vida. Lá, o poeta de lirismo meditativo, atento aos detalhes de temas e de situações da esfera subjetiva, no tantâmen, recorrente, de revelar e compreender os enigmas da criatura humano; aqui, o ensaísta de pensamento livre, voltado para o fato singular, captado, não obstante, em sua irradiação particular e universal.
Se esse percurso, concernente à sua prosa reflexiva, já se desenhara nos pequenos textos de Um dedo de prosa, formula-se, em voo mais abrangente e vertical, em O redator de obituários (João Pessoa: Ideia, 2022), na medida em que seu ensaísmo se alarga e se aprofunda.
Pessoas, fatos, eventos, coisas, lugares, livros, casos, episódios e certas sutilezas do cotidiano atraem o olhar desse leitor de minudências. E esse olhar, nutrido por infindas e variadas leituras, convoca o leitor para a participação da descoberta, para o convívio com a informação e o conhecimento, sobretudo o conhecimento e a informação pautados pelo interesse e pela novidade.
Com ele, visitemos a casa de Joaquim Nabuco; vejamos as torpezas de Heidegger; compartilhemos as reminiscências de Órris Soares; verifiquemos a atualidade de um Tom Wolfe; conheçamos os escritores de Juscelino; avaliemos o encontro de Zweig e Bernanos; constatemos que somos todos Ivan Ilitch; leiamos a última carta de Machado de Assis; observemos Gilberto Freyre na Paraíba; deparemos com uma descortesia de Zé Lins, e vejamos os caminhos opostos de Caetano e Vandré.
É desse universo, fértil e plural, que trata Francisco Gil Messias no conjunto de artigos e ensaios que reúne nesse obituário das letras e dos autores.
Em alguns textos, de cunho mais informativo, a abordagem se mantém no nível de leveza e sobriedade, porém, sempre apegada ao traço curioso e, na mais das vezes, imperceptível ao leitor apressado. Destaco, entre eles, “Oswald de Andrade e a Academia”, “Gilberto Freyre e Ariano”, “Drummond e Alceu”, “Epitácio e Machado”, “Uma noite histórica”, “Edson Nery da Fonseca” e “Cem anos sem Augusto”.
Já em outras peças, essas de viés mais ensaístico, naquilo que o ensaio possui do livre pensar e do bem escrever, vejo um alcance maior no procedimento analítico e exegético, a descortinar elementos eloquentes para um entendimento mais completo e mais complexo da configuração intrínseca dos objetos de estudo selecionados. Quer pela solicitação estética, quer pelo desafio existencial, que os textos, os autores, os lugares, os acontecimentos preservam em sua materialidade ontológica, em seu vir a ser incontornável e imprevisível. Sublinho, nesta clave, os ensaios: “Ledo Ivo dá adeus”, “A morte e a morte de Machado de Assi”; “Calado no divã de Freud”, “Sobre os ´Diários` de Celso Furtado”, “Francisco Pereira Nóbrega e a opção pelo perdão”, e “Quero mais é mistério”.
Por isto, insisto: se ainda não leram Francisco Gil Messias, não percam essa oportunidade. Ele mesmo, Francisco Gil Messias, é um leitor genuíno. Meio à Montaigne, meio à Borges, meio à Villaça, vive dentro da aventura dos livros, respirando o melhor oxigênio da tradição cultural. Leitor-escritor, escritor-leitor. Como um Ezra Pound, como um T. S. Eliot, como um Ítalo Calvino. E esse leitor, na sua paixão pelos livros e na sua generosidade cognitiva, quer que nós, seus pares, leiamos com ele, para com ele, tecermos as letras de um obituário. Mas de um obituário vivo!
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OPINIÃO - 22/11/2024