João Pessoa, 31 de janeiro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Recolho, para minha reflexão e para meu comentário, três ideias do professor Leo Barbosa, extraídas de seu artigo “Livros & livros”, publicado em A União do dia 11 de março de 2023. Desde já reconheço o pertinente poder de sugestão que elas encerram, como também a possibilidade que abrem para que possamos meditar acerca do prazer e da felicidade que os livros proporcionam àqueles que os amam.
A primeira ideia encontro neste período: “Entendo que, mesmo as leituras que não me marcaram tanto, têm sua importância”.
Não tenho dúvidas, meu caro mestre. E não somente porque com elas se aprende “a como não escrever e no que não pensar”, segundo suas próprias palavras, mas, sobretudo, quero crer, por razões outras, talvez mais profundas e menos visíveis.
Sou dos que pensam que não ler também é uma forma de leitura, leitura heterodoxa e enviesada, leitura avessa e oblíqua, pelo que revela de indiferença, preguiça ou preconceito. Porém, sempre leitura, e como toda leitura, tendo a probabilidade de contribuir com alguma coisa essencial para a formação intelectual e humanística do leitor. Alguém já disse que, por pior que seja um livro, alguma coisa de valor ele contém. Já em outra clave, assegura o poeta: “De tudo fica um pouco”.
Pode-se, por exemplo, traçar o perfil de um leitor, enumerando as obras que ele não leu e que não lhe “marcaram tanto”, quer porque não gostou, quer porque as considera fracas, ruins e inúteis (existem mesmo coisas inúteis?). Falo deste insólito e delicioso prazer numa de minhas crônicas da coletânea Os livros: a única viagem (João Pessoa: Ideia, 2017).
A segunda, vejo nesta outra oração cheia de sabedoria: “Afinal, antes de se aventurar a escrever, um escritor deve ser sobretudo um leitor”.
Perfeito. Um leitor de palavras, um leitor de imagens, um leitor de “situações, cenários e pessoas”. Enfim, um leitor do mundo e de suas múltiplas ofertas. Paulo Freire nos ensina: Antes da leitura da palavra vem a leitura do mundo. E o mundo, alguns o entendem como um complexo e infinito livro, de leitura e exegese inesgotável.
Na verdade, o que é um escritor senão um leitor da vida, antes mesmo que a vida se transfigure em linguagem. Um leitor especial cuja sensibilidade, cuja memória, cuja imaginação, fundidas no delicado cimento da palavra, são capazes de devassar a aparência das coisas e das sensações, descortinando a sua invisível medula, aquilo mesmo que o olhar comum não alcança nem a lógica cientifica consegue revelar.
Com a terceira e última ideia, deparo-me nestas palavras: “Ainda que seja uma revisita, é importante frisar que não se lê duas vezes o mesmo livro. A obra, embora seja a mesma, o leitor já não o é – parafraseando Heráclito”.
Correto, Corretíssimo! Também por isto, penso, releituras são mais viscerais que a leitura primeira, embora não devamos esquecer que certas primeiras leituras têm o insubstituível sabor do primeiro contato com o desconhecido, com a verdade e com a beleza.
Quando alguém me diz, por exemplo, que está lendo, pela primeira vez, A divina comédia, de Dante, ou um romance como Crime e castigo, de Dostoiévski, ou os contos de Tchekov, ou a poesia de Fernando Pessoa, fico morrendo de inveja e, ao mesmo tempo, imaginando o fascínio e o arrebatamento que o envolvem nessa aventura extraordinária.
Mesmo que a releitura de tais obras seja indispensável durante a vida inteira, uma vez que elas crescem e se adensam na medida em que vamos amadurecendo como leitor, nunca podemos olvidar o espanto e o êxtase da primeira leitura. É lá onde tudo começa, nas abóbadas iluminadas da primeira manhã.
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OPINIÃO - 22/11/2024