João Pessoa, 23 de fevereiro de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Em Patos do Piauí, a 399 quilômetros de Teresina, a Secretaria municipal de Saúde funciona aos sábados. É quando a secretária da pasta, e primeira-dama, Cleudimar de Carvalho Figueiredo, dá expediente – durante a semana, Cleudimar, comerciante que estudou até o ensino médio, cuida de sua mercearia no povoado rural de Cajueiro, a 18 quilômetros do centro da cidade. O prefeito de Patos, Sílvio José da Silva (PMDB), de 46 anos, é um agricultor também com ensino médio e não tem engenheiros, administradores ou arquitetos entre seus assessores e funcionários.
– Quando quero um projeto para captar recursos, contrato um contador, e enviamos para Brasília. Mas tem muita burocracia para liberar a verba – conta Sílvio José.
A cidade de 6.297 habitantes, no semiárido nordestino, é um exemplo do despreparo das prefeituras na hora de executar ou acompanhar projetos e programas federais. E os moradores de Patos, que vivem sem maternidade, sem poder contar com transporte público e sem saneamento, padecem como muitos brasileiros: na área da Saúde, de acordo com o IBGE, 93 municípios de 15 estados não tinham, em 2009, nenhuma unidade de emergência, maternidade, farmácia popular, laboratório clínico ou programa de agente comunitário. Ainda de acordo com o IBGE, 1.841 cidades não tinham qualquer estrutura específica na área de habitação, e 1.365, qualquer estrutura específica em transporte.
Segundo a Associação Brasileira de Municípios (ABM) – entidade que em 2011 participou de um grupo de trabalho na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência, sobre convênios entre municípios e a União -, de 30% a 40% dos projetos apresentados por prefeituras ao governo federal são rejeitados por falta de qualidade técnica. De acordo com a SRI, mais da metade dos municípios com até 20 mil habitantes – que equivalem a 70% das cidades – precisa recorrer a contadores terceirizados na hora de preparar projetos. Como Patos do Piauí.
A falta de qualificação dos funcionários das prefeituras é um dos principais obstáculos. Segundo dados da última Pesquisa dos Municípios Brasileiros do IBGE (a Munic de 2009), em 1.879 municípios, o titular do órgão de Saúde tem até o ensino médio – em 55 cidades, eles chegam a ter só o fundamental incompleto. Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), que realiza cursos de capacitação para prefeituras, apenas um quinto dos municípios (1.015, ou 18% deles) passou pela capacitação desde que foi criada, em 2006.
– Ensinamos a parte jurídica e administrativa de como fazer um pedido de convênio, por exemplo, e quais os compromissos de quem recebe verba federal. Mas as deficiências na área técnica, como falta de engenheiros, não temos como suprir – afirma o secretário de Controle Externo da CGU, Guilherme de La Rocque. – São problemas estruturais das prefeituras, que ficam mais visíveis em momentos como o período de chuvas. O governo federal mudou as regras para liberar verba nesses casos por causa da demora dos prefeitos em mandar projetos .
– A dificuldade maior é em equipe e treinamento. Com uma equipe qualificada, você pode ter um cadastro criterioso mesmo com uma planilha simples de Excel, e pode ter um cadastro ruim mesmo com uma ferramenta de última geração se não houver um bom corpo técnico – diz Olavo Noleto, responsável pela Secretaria de Assuntos Federativos da SRI. – Os ministérios e autarquias vivem dificuldades diárias com os municípios, que são os operadores das estratégias federais. Por conta disso, a Caixa Econômica precisou criar, há dois anos, a figura do gerente municipal de convênios, que já existe em mais de quatro mil cidades: um servidor da prefeitura é qualificado pela Caixa e passa a funcionar como o coordenador dos convênios.
Também por conta da dificuldade dos municípios, a Funasa – que é responsável pelas cidades com menos de 50 mil habitantes quando o assunto é saneamento – teve que começar a fazer projetos e doar para municípios que responderam não ter como participar do PAC 2.
– Enviamos uma carta-consulta, e 3.500 cidades responderam, sendo que cada uma podia fazer até quatro pleitos. Dessas, 2.701 disseram não ter projeto para a área de saneamento. Vamos, então, investir R$ 147 milhões e doar 806 projetos até 2012. Além disso, iremos capacitar mais de quatro mil técnicos municipais, para que os projetos e os planos municipais de saneamento não sejam apenas um livro de intenções – diz Gilson de Carvalho Queiroz Filho, presidente da Funasa.
Além de servidores sem capacitação, outro problema é a ausência de servidores: segundo a Munic, quase 1/3 do pessoal na administração direta das prefeituras do país é de comissionados (indicados), estagiários ou algum outro cargo sem vínculo permanente – o que faz com que, quando muda o prefeito, haja risco maior de que mudem também os funcionários.
– Sem estrutura e pessoal para montar projetos e planos de trabalho, necessários para se fazerem convênios com o governo federal, uma boa parte dos municípios, principalmente os de menor porte, fica dependendo apenas do dinheiro que chega de estados e da União por repasse obrigatório constitucional: de ICMS ou repasse do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Então, em muitos casos, até sobra verba da União – avalia José Carlos Rassier, diretor-executivo da ABM.
O Globo
OPINIÃO - 22/11/2024