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Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

Dependência química nos idosos

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publicado em 27/02/2024 ás 07h00
atualizado em 26/02/2024 ás 21h23

 

            A proporção de idosos na sociedade contemporânea vem crescendo mais rapidamente que a proporção de crianças. A queda da taxa de fecundidade e o aumento da longevidade é um dos fatores responsáveis por este feito. Outras causas contribuem para o aumento da população de idosos, além da já citadas, entre estas podemos citar: às melhores condições de saneamento básico, o controle das doenças infectocontagiosas pelas vacinações sistemáticas e, também, às terapêuticas avançadas no combate às doenças em geral.

Dito isto, volto ao tema já citado no título deste texto, qual seja, o problema da dependência química nos idosos. A primeira constatação em relação aos transtornos por uso de álcool e outras drogas por parte dos idosos, é que estes têm recebido pouca atenção, apesar deste problema se constituir na terceira condição psiquiátrica mais prevalente nesta faixa etária, atrás apenas da depressão e da demência.

Historicamente têm sido realizados poucos estudos clínicos ou experimentais voltados para o abuso de drogas por idosos. A preocupação sempre esteve voltada apenas para os jovens.

Apenas a partir de meados da década de 80, após alguns estudos atestaram que o uso indevido de drogas entre os idosos estava bastante elevado, foi quando, mesmo de forma tímida, as atenções dos estudiosos começaram a ser direcionadas também para estes.

Esta nova realidade, em que não só os jovens e adultos, mas também os idosos estão consumindo abusivamente álcool e outras drogas, exige inevitavelmente uma adaptação por parte dos serviços de saúde. Se estes antes tinham suas técnicas, estudos, profissionais e equipamentos direcionados apenas para adolescentes e jovens adultos, é hora de reprogramar as estratégias e ações.

Ao contrário do que muitos podem imaginar, o uso indevido de drogas por parte dos idosos, nas últimas décadas, não se restringe apenas às drogas legalizadas como o álcool, tabaco e ansiolíticos. A realidade é que muitos usuários de substâncias recreativas e ilícitas, do tipo maconha, cocaína etc., nascidos nos anos 50 e 60, envelheceram ou estão envelhecendo, e trazem consigo os hábitos e as consequências deste consumo prolongado e nocivo.

É importante lembrar que a metabolização das drogas no organismo de pessoas mais velhas é bem mais lenta. O cérebro humano nesta faixa etária também é mais sensível aos efeitos destas substâncias psicoativas e, consequentemente, as alterações no funcionamento dos receptores cerebrais podem acelerar a progressão ou aumentar a gravidade dos declínios cognitivos como memória, atenção, raciocínio, demências etc., que normalmente estão associados ao envelhecimento. Também é importante registrar que este processo de envelhecimento do ser humano está frequentemente associado a uma série de problemas sociais, psicológicos e de saúde. E que muitos destes constituem fatores de risco para o abuso de drogas entre os idosos, ao mesmo tempo em que podem ser agravados por este abuso, ou seja, esta é uma via de mão dupla.

À exceção das drogas terapêuticas (medicamentos), a droga mais abusada pelos idosos é o álcool. Estima-se que 90% dos usuários de bebidas alcoólicas, nesta faixa etária, usam medicações que podem interagir de forma adversa com o álcool, e este consórcio indevido origina um risco ainda maior para problemas de saúde e sociais. Do mesmo modo, o consumo combinado de álcool e outras drogas, como os benzodiazepínicos, os analgésicos à base de opiáceos etc., comumente usados por idosos, aumenta consideravelmente os riscos já citados.

Os dados estatísticos demonstram que os idosos consomem aproximadamente um terço de todos os medicamentos vendidos sob prescrição, em especial aqueles relacionados às condições médicas crônicas (insônia, ansiedade, depressão, dor crônica etc.). E este mesmo percentual de pacientes, dependentes de alguma droga psicotrópica (sedativos, hipnóticos, ansiolíticos e analgésicos narcóticos), desenvolveu a síndrome de dependência após os 60 anos de idade.

Portanto, é importante lembrar que o envelhecimento é um terreno propício às fragilidades mentais, pois há um declínio importante no número dos neurônios e, consequentemente, dos neurotransmissores. O idoso tende a sofrer de ansiedade e dos transtornos de humor. Socialmente já não representa uma força de trabalho importante, e o respeito a ele geralmente declina. Na família, passa a ser, muitas vezes, um fardo para alguém que precisa deixar de trabalhar e ganhar dinheiro, ou de passear para fazer companhia ao idoso.

Por outro lado, sabe-se que desde sempre o ser humano busca, principalmente pelo uso de substâncias, abrandar suas angústias, decepções, tédios e crises existenciais. E, inegavelmente, as drogas trazem este alívio, mesmo que seja de forma fugaz.

Muitas vezes o profissional ao atender o idoso releva os aspectos do uso de drogas, alegando que esta pessoa já está no fim da vida, e que os prazeres que lhe restam são poucos, e portanto, um copo de vinho, um cigarrinho ou uma boa noite de sono, proporcionada por um benzodiazepínico, não é nada demais.

Entretanto, é preciso nos conscientizarmos que a longevidade, na atualidade, é um fato, e só será bem desfrutada se houver qualidade de vida, o que implica saúde compatível com a faixa etária. A aceitação dos limites impostos pela idade é a fonte da sabedoria. O uso indevido de drogas, bem como as interações do uso de várias substâncias consorciadas, como álcool e medicamentos, por exemplo, redundam num potencial risco e reduz a qualidade de vida destes usuários.

Portanto, a família, os cuidadores em geral (médicos, psicólogos etc.), e os próprios idosos, usuários de medicamentos e outras drogas, precisam estar alertas e vigilantes em relação a este problema. Uma vez identificado o uso abusivo destas substâncias é importante dialogar com o paciente, ou ente familiar, e juntos buscarem a redução ou se possível a solução do problema. Esta união de esforços é de suma importância para a saúde e a qualidade de vida, de todos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB