João Pessoa, 15 de fevereiro de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
No primeiro dia à frente da Petrobras, Maria das Graças Foster, 58 anos, deixa claro que exigirá o máximo de funcionários e parceiros. Uma coisa que não tolera, avisa a mineira de Caratinga, é discutir com quem não sabe. Promete "um lucro melhor, maior do que o de 2011 (R$ 33 bi) e de 2010 (R$ 35 bi)". E admite que em algum momento terá que reajustar preços dos combustíveis, mas sem ingerência política. Em sua sala na sede da estatal, no 23º andar da Av. Chile, a botafoguense sorri quando acha, em meio a planilhas, a letra do samba da União da Ilha. Em outro momento descontraído, conta que, quando garota, lia e escrevia cartas para vizinhos do Morro do Adeus, no melhor estilo "Central do Brasil".
O GLOBO: Como foi seu primeiro dia como presidente da Petrobras?
MARIA DAS GRAÇAS FOSTER: Até agora, não tinha dado espaço para a emoção. Ela só veio domingo agora, quando comecei a escrever meu discurso, pelo fato de ser uma responsabilidade gigante perante os colegas, porque você é resultado do trabalho deles.
Como é o estilo Graça de gestão?
GRAÇA: Eu sou muito objetiva. Eu preciso ser interrompida, ser questionada, mas tem que ter argumentos técnicos, de natureza econômica. Porque o tempo é muito curto para uma empresa desse tamanho.
A exigência de conteúdo nacional, que esbarra na limitação da capacidade da indústria nacional em atender à forte demanda de encomendas da Petrobras, pode ser um entrave aos projetos? A Petrobras vai pressionar as indústrias a se capacitarem?
GRAÇA: A indústria de petróleo no mundo está aquecida, todas as outras grandes companhias têm investimentos muito expressivos. Estamos competindo com elas na indústria de bens e serviços, e no Brasil também. O conteúdo local não acontece se ficar frouxo. Ele (fornecedor) não pode achar que vai ser como ele quer, senão não vai ter encomenda.
Os acidentes da Chevron, no campo de Frade, e no campo Carioca Nordeste, no pré-sal, farão a Petrobras mudar suas normas de segurança?
GRAÇA: O que ocorreu no campo de Macondo (Golfo do México), no Campo do Frade e no Carioca Nordeste foram coisas diferentes. Mas percebi na área de Exploração e Produção uma mudança na cultura. Eles incorporaram a questão da prevenção, que é mais importante que tudo. De outubro de 2010 a dezembro de 2011, fizemos 185 auditorias internas em nossas unidades, cumprindo um termo de compromisso com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). As nossas auditorias estão sendo muito mais rigorosas do que qualquer órgão regulador.
Como a senhora vê a discussão sobre a divisão dos royalties? E a possibilidade de se aumentar a cobrança das Participações Especiais (PEs), que atingiria diretamente a empresa?
GRAÇA: Nem pensar em aumentar a PE. Aí vocês vão ver esta moça aqui entrar no debate. Com relação aos royalties, qualquer operadora quer ver essa situação resolvida.
E a participação da estatal venezuelana PDVSA na refinaria Abreu e Lima? Sai ou não sai?
GRAÇA: Não se pode prosseguir sem que eles resolvam seus problemas com o BNDES. Quando isso acontecer, vamos nos sentar e conversar.
Como atender a uma demanda crescente por combustíveis?
GRAÇA: Quem vende quer mercado, e eu me considero uma vendedora. O país cresce, excelente. A indústria automobilística cresce. Como vendedora, espetacular, fico rindo à toa. Temos todas as refinarias do país e estamos construindo outras quatro.
O lucro caiu à metade no último trimestre de 2011, entre outras coisas por causa do aumento de importação de combustível. Vai continuar a cair?
GRAÇA: Comparado com igual trimestre de 2010, houve resultado ruim, sim. Mas não analisamos esse resultado só em um trimestre. Ele não pode ser uma tendência.
Parte da perda do ano passado também foi por causa do preço dos combustíveis. Eles vão subir?
GRAÇA: Evidentemente que, num determinado momento, os preços terão que ser ajustados. Comparando 2011 com 2010, tivemos uma diferença de R$ 2,8 bilhões, o que é muito.
O que a senhora tem a dizer para o investidor que viu o lucro da companhia cair no último ano?
GRAÇA: Trabalhamos para que a gente tenha este ano de 2012 um lucro melhor, maior do que o de 2011 e maior do que de 2010. Não tenha dúvida disso.
Mas e o controle da inflação pelo governo, que pode segurar os preços dos combustíveis, não influencia?
GRAÇA: A Petrobras não participa da discussão da inflação no país. Não existe essa pauta. Na reunião com o controlador, a gente mostra o conjunto da obra, mostra a projeção dos preços do barril de petróleo, as projeções de câmbio e PIB, o endividamento, uma série de indicadores.
Os investidores se queixam da ingerência política na gestão da companhia. Com a sua lealdade prometida à presidente Dilma Rousseff, no discurso de posse, os investidores não têm que se preocupar mais?
GRAÇA: Tem investidores de curtíssimo, de médio e longo prazo. Quem compra ações da Petrobras sabe que está comprando ações de uma estatal. E compra com a segurança de que essa empresa também sofre a influência positiva do governo. Acho inimaginável o presidente de uma empresa como a Petrobras que não tenha junto à presidente do país uma relação de absoluta fidelidade.
Os novos diretores (José Formigli e Alcides Santoro) são técnicos escolhidos pela senhora. Mas e a escolha de José Eduardo Dutra para ocupar a recém-criada diretoria de Gestão Corporativa?
GRAÇA: Eu não vejo essa diretoria com uma cara política. A criação dessa diretoria está em discussão desde 2007 e ela não tem atividade política. Dutra foi presidente da BR, da Petrobras, é um técnico.
A senhora se filiou ao PT em 2008. O PT é uma das estrelas tatuadas em seu braço? O que elas significam?
GRAÇA (rindo): Eu tenho três (estrelas) mais visíveis, e tenho outras estrelinhas também. Mas nunca ninguém ouviu o significado delas. Nem meus filhos sabem. Tem uns quatro anos. Agora, quando me filiei ao PT, não via nem vejo nenhum problema nisso, é uma decisão da cidadã que optou por ter uma filiação ao partido. Não tenho nenhum envolvimento maior com o PT porque não tenho tempo.
Assim como Gabrielli, a cidadã Graça tem ambição política? Pensa em se candidatar?
GRAÇA: Nenhuma! Eu participei da campanha do presidente Lula, fui para a rua, levei bandeira e não era filiada ao PT. Depois, com a presidente Dilma, a mesma coisa. Foi divertidíssimo, mas foi cansativo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
E como a senhora pretende enfrentar as pressões de aliados políticos?
GRAÇA: Eles vêm e você tem que conversar. Dessa relação quero tirar o máximo para a Petrobras. Essas pessoas trabalham, têm missão, são grandes aliados, no sentido que nos defendem como empresa estatal. É meu dever conversar com eles.
A senhora morou no Complexo do Alemão. Teve uma infância difícil?
GRAÇA: Difícil é relativo. A gente nunca deixou de estudar, nunca sentiu fome. Sempre moramos em casa muito humilde, simplesinha, mas limpa, radiante e com uma mãe muito amorosa. Depois, mudamos para um apartamento pequeno na Ilha do Governador.
A senhora foi catadora de papel?
GRAÇA: Não é tão verdadeiro… Meu primeiro trabalho de carteira assinada foi como estagiária na Petrobras. Dei aula de inglês, matemática. Quando morei no Morro do Adeus, fazia um trabalho mais legal. Eu escrevia e lia cartas para as pessoas, quando tinha 8, 9 anos. E ganhava uma moedinha, comprava uma borracha. Fazia porque me davam um agrado. Com uns amigos, catávamos coisas, sim: lata, jornal, coisas para vender. Conseguia um dinheirinho para encapar um caderno, comprar uma lavanda para minha mãe.
Que conselho a senhora daria para outras pessoas humildes que hoje estão lá?
GRAÇA: Primeiro é querer estudar. Tem que ter aquela força interior, essa tem que vir dos seus pais, ou da gente mesmo. Tem que ter coragem. Quantas pancadas eu tomo? Preconceito, nunca senti, porque enfrento.
E como mulher, já foi discriminada?
GRAÇA: Nunca senti. Eu elimino o preconceito me preparando muito para as reuniões. Porque ninguém cala a boca de quem sabe.
O que a senhora não tolera?
GRAÇA: Eu não tolero sentar com uma pessoa despreparada e que quer impor um tom de autoridade.
Por que a presidente Dilma chamou a senhora de Graciosa na segunda-feira (na véspera, durante a posse)?
GRAÇA: Ela sempre me chama assim. Menos quando está zangada. Aí é Graça mesmo…. (rindo)
G1
OPINIÃO - 06/11/2024