João Pessoa, 15 de fevereiro de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A nova classe média não é apenas a menina dos olhos do varejo brasileiro. Agências de intercâmbio já detectaram nela um filão e estão apostando suas fichas para expandir os negócios. Com mais renda, acesso ao crédito e disposição para aumentar a bagagem cultural, muitos jovens estão dando um passo inédito em suas famílias e fazendo a primeira viagem (e de estudo) ao exterior. Em 2011, uma a cada dez agências de intercâmbio já tinha metade do movimento dos negócios com foco na classe C, segundo a Associação Brasileira de Operadores de Viagens Educacionais e Culturais.
—São pessoas que se esforçam, são econômicas e que trabalham. Pessoas de nível financeiro médio já conseguem mandar seus filhos para o exterior — afirma Simone Gomes da Silva, professora de inglês do curso Kamony’s em São Gonçalo, que acompanha grupos no exterior.
O diretor da agência BEX de Niterói, João Mofati, afirma que o planejamento das viagens no caso de famílias da nova classe média tem foco bem definido no conteúdo educacional e que passeios e viagens extras são mais raros.
– São 25 horas de estudo por semana. A preferência é por países que não exigem visto como a Inglaterra, a Nova Zelândia e a África do Sul, mas o principal destino é a Inglaterra – afirma.
Para Marcelo Albuquerque, diretor da IE Intercâmbio, com 35 agências em todo o Brasil, a viagem para o exterior a trabalho também é uma opção para muitas famílias. O destino preferido para trabalhar são os Estados Unidos ou a Irlanda. A procura nesse caso é de um público mais velho, com jovens de 18 a 25 anos, e que já está na universidade.
—Tradicionalmente as classes que viajavam era a A e B, mas o que chama a atenção para a classe C é a facilitação do crédito. Enquanto as classes A e B tentam negociar descontos, a classe C pede menos porque entende que se planejou para aquilo — considera.
Família com renda de R$ 2.000 já consegue enviar estudante para o exterior
Para famílias como a da adolescente Amanda Miranda, 16 anos, que tem uma renda que gira em torno de R$ 2.000 e vive em uma casa alugada em Santa Barbara, na zona norte de Niterói, a ideia de estudar inglês no exterior virou realidade. Em julho passado, Amanda passou duas semanas estudando inglês em Bournemouth, a 160 quilômetros de Londres, cidade que pronuncia com sotaque britânico perfeito.
— Estava para fazer 15 anos e decidi não fazer festa —afirma.
A adolescente ficou interessada em fazer intercâmbio quando começou as aulas de inglês no curso do bairro há cerca de quatro anos. Primeiro, pensou em ir para o Canadá. A professora lhe aconselhou a Inglaterra. Parceria feita com uma agência especializada em viagens de estudo de Niterói, a BEX, conseguiu organizar a viagem com cerca de um ano e meio de pagamentos mensais de R$ 328.
Dona Rita Miranda, mãe de Amanda, é diarista e babá, e conta que ela e o marido, que trabalha como caminhoneiro, continuaram pagando as parcelas até novembro passado, quatro meses depois da viagem da filha. A madrinha e a tia de Amanda ajudaram com o que faltava para a viagem que custou cerca de R$ 8.000, incluindo a passagem de avião.
—Abrimos mão de muitas coisas para essa viagem, mas investimos porque ela ama estudar. Fazemos faz a nossa parte e ela faz os 100% — conta dona Rita, com orgulho sobre a filha temporã.
Além do estudo, a adolescente diz que conseguiu passar um dia em Londres, onde conheceu o museu de cera Madame Tussauds, o Big Ben e viu a troca da guarda da rainha. Conheceu alunos da China, Coreia, Itália e França, com quem ainda se corresponde. Hoje, diz que pretende cursar Relações Internacionais.
— Quero viajar muito, conhecer a Inglaterra, a Escócia e o Canadá. Escolher uma profissão em que eu possa viajar muito — afirma Amanda.
Dólar barato facilita a compra da passagem
Além da conscientização de muitos pais em relação às vantagens da viagem de estudo no exterior, Simone Gomes, do Kamony’s, vê também a “ajuda” do dólar barato no aumento da procura.
—Facilitou a questão da passagem e nós ajudamos as famílias a se programarem com os extras, que não costumam passar de R$ 1.500 — considera.
O adolescente Filipe Barros, filho de pai cozinheiro e de mãe secretária em uma empresa farmacêutica e que também fez intercâmbio para a Inglaterra, disse que para driblar os gastos extras, a maneira de economizar no almoço foi trocar a refeição completa pelo sanduíche.
—As coisas eram muito caras. Comecei comendo comida normal e depois fui para o sanduíche.
No Brasil, também teve de fazer concessões para realizar o sonho:
—Por um ano inteiro, não fui ao cinema, mas com certeza, valeu a pena. Além de conhecer outra cultura, foi uma experiência bem diferente ver o modo que as pessoas agem, a educação delas, até porque é um país mais desenvolvido — opina.
O Globo
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