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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Naquele tempo

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publicado em 29/03/2024 ás 07h00
atualizado em 28/03/2024 ás 21h40

Cada dia que se acrescenta na minha vida, ou dela é retirado, me aproximo mais da minha infância. São os sinais próprios da idade. Somos feitos de lembranças.

Quanto mais rápido o tempo ataca o corpo e sua decrepitude, mais e mais, volvemos os olhos para trás, revivendo as experiências, revirando-as em outro contexto, aplainando arestas, que no tempo novo, não dói, como doeu um dia, um truque da existência para duplicar a vida, sob a perspectiva do agora.

Se nessa marcha a ré não ficarmos encalacrados nela, o proveito há de ser bom. A saudade e a lembrança são renovações, seleções feitas no presente para glorificação de um tempo que se estica para fortalecimento da subjetividade de cada um.

Um tempo cheio de dificuldades, mas repleto de cheiros e sabores: milho assado na brasa, manga tirada ao pé, arroz de festa, pão de ló, as rodelas de abacaxi na festa de Areias, pão doce mergulhado na xícara de café, a fartura de sabores que se espraiava dentro das panelas de barro nas festas de casamento, o cheiro da gordura dos capões inebriado os gulosos paladares infantis.

Um tempo amargo pela ostensiva carência de tudo, mas ousado em suas travessuras: as pescas de piabas, carrinhos feitos de latas de sardinha, bolinhas de gude, o pião feito do talo de goiabeira, esconde-esconde, pega-pega, pular corda, queimada, passar anel, futebol com bolas de meia, os banhos de açude…

Um tempo talhado nas incompreensões, onde as crianças quase que tinham o mesmo status dos cachorros, mas fabricantes de quimeras: o primeiro ki chute,   a primeira visita à cidade, a semana santa e seus caboclos, os comícios antecedendo as eleições, a primeira comunhão, o desejo de ser grande…

Um tempo férreo, feiura, seca e força. Cada anjinho que se deitava nos caixões azulzinhos, em meio à sagrada dor das mães que perdiam seus filhos, punha as fornalhas do tempo em convulsão para acasalar outras vidas, a pulsão de outras flores viçosas, o rebobinar dos mistérios da resistência  dos nascidos nos sertões da Paraíba. Bastava o inverno se acanalhar outra vez.

Quem, apesar de tudo, não há de ter saudades daquele tempo?

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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