João Pessoa, 12 de fevereiro de 2012 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
O recém-nomeado ministro da Defesa da Venezuela se chama Henry Rangel Silva. Muito próximo ao presidente Hugo Chávez, seu email apareceu nos arquivos do chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) Raúl Reyes quando este foi morto por forças de Bogotá em território equatoriano em 2008 — num episódio que quase desencadeou um conflito mais sério entre os três países. Baseado em depoimentos de traficantes presos e arquivos obtidos de outros integrantes das Farc, o Departamento do Tesouro americano acusou Rangel de apoiar a guerrilha e o narcotráfico. Em 2010, o mesmo Rangel causou revolta entre venezuelanos ao declarar que “um hipotético governo da oposição a partir de 2012 não seria aceitável pelas Forças Armadas”. A Constituição da Venezuela é clara ao impedir que militares tenham militância política, frisaram na época os opositores de Chávez.
Janeiro de 2012. Ao trazer o general Rangel para a cúpula do governo, Chávez acusou os EUA e o “imperialismo” de intromissão nos assuntos internos de seu país, afirmando não existir provas contra o militar. Lutando contra um câncer cujos detalhes, assim como as decisões mais importantes do governo, não são divulgados, Chávez tem buscado se cercar de seus “irmãos em armas”, gerando inquietude entre os venezuelanos, que temem maior influência militar caso o país mergulhe numa instabilidade. Ou por causa do estado de saúde de Chávez ou após o resultado das eleições presidenciais, que acontecem em 7 de outubro.
– Apesar de, no atual momento que vive a América Latina, um golpe ser algo praticamente impossível de ocorrer na Venezuela, o fato de o presidente vir enfraquecendo os civis, mesmo os aliados a ele, é institucionalmente preocupante. Especialmente se a Venezuela mergulhar numa instabilidade maior. Os setores que apoiam Chávez aceitariam uma derrota nas urnas? A oposição aceitaria denúncias de fraudes eleitorais? Quem sucederia a Chávez caso ele tenha que se afastar do poder? Assim como o presidente e sua saúde, os cenários são imprevisíveis – acredita o ex-chanceler venezuelano e hoje analista político Simón Alberto Consalvi, que não descarta que o candidato à vice da chapa de Chávez, desta vez, seja um militar. – Quando a coisa aperta, como agora, ele só confia em seus “irmãos”.
Além de Rangel, Chávez designou o polêmico Diosdado Cabello — ex-militar e ex-vice presidente que ajudou-o na tentativa de golpe contra o então presidente Carlos Andrés Perez, em 1992, como o novo presidente do Congresso. Os dois estavam afastados há alguns anos, segundo rumores, porque Cabello havia se tornado poderoso demais aos olhos de Chávez. Outros postos-chave no governo e nas Forças Armadas estão sendo preenchidos por militares considerados linha-dura, de confiança do presidente.
—Não se pode esquecer que Chávez também é militar (coronel) e que foram seus irmãos em armas que o lançaram na vida política (na tentativa de golpe em 1992) e fizeram com que ele permanecesse nela, conduzindo-o de volta ao poder em 2002, quando Chávez sofreu um golpe, desta vez implementado por civis — lembra Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, com sede em Washington.
Segundo Hakim, o evento foi desastroso para os EUA e a Venezuela porque ajudou a radicalizar o chavismo e fez crescer um antiamericanismo entre os seguidores do presidente, apesar de um envolvimento direto dos EUA no golpe nunca ter sido comprovado.
O principal responsável pela volta de Chávez ao poder, o general Raúl Isaias Baduel, mais tarde rompeu com o chavismo e hoje está preso sob acusações controversas de corrupção. Outro general, Ángel Vivas Perdomo, enfrenta tribunal militar por insubordinação após ter se recusado a adotar a saudação das Forças Armadas cubanas, que Chávez também oficializou para seu Exército: “Pátria, Socialismo ou Morte! Venceremos!” Outros militares discordantes foram afastados do poder.
— Chávez é implacável com seus inimigos e usa os militares para demonstrar força. Enquanto isso, os civis mais influentes do governo, o chanceler Nicolas Maduro e o vice-presidente Elías Jaua, irão concorrer a cargos públicos locais, em outubro. Vejo isso como um sinal claro de afastamento de possíveis sucessores civis e isso preocupa, claro — avalia Soledad Belloso, colunista do jornal “El Universal”.
Providências para alegrar os militares
Manter os militares felizes vem sendo a prioridade do presidente desde que voltou à ativa após o tratamento contra o câncer. Recentemente, Chávez anunciou aumentos de 198% no orçamento militar e 50% nos salários dos militares. Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), baseado na Suécia, os gastos militares da Venezuela foram de US$ 29 bilhões de 2005 para cá — quase o mesmo gasto pelo Brasil, proporcionalmente ao PIB. Na semana passada, uma nova lei antiterror e crime organizado aprovada pelo Congresso também gerou inquietude ao permitir , entre outros, que denúncias anônimas levem a prisões e investigações. Há temor de que o governo use a lei para coibir opositores.
Radicado no Brasil, o venezuelano Rafael Duarte Villa, professor de Relações Internacionais da USP, acredita que se algo deste tipo estivesse ocorrendo no Brasil, “certamente o presidente seria alvo de mais críticas”. Além disso, lembra ele, na Venezuela ocorre um fenômeno raro no mundo, o militarismo de esquerda, comprometido com reformas sociais, resultado (ironia do destino), de políticas adotadas durante a primeira gestão do próprio Carlos Andres Pérez que, nos anos 70, concedeu bolsas para os militares cursarem a universidade. Chávez, por exemplo, formou-se em Ciências Políticas e foi assim que teve contato com as ideias marxistas.
— A questão é que os militares, ao contrário do que ocorre nos países do Cone Sul, não têm histórico, frente à opinião pública, de serem golpistas na Venezuela. As regalias das Forças Armadas, que aumentaram no governo Chávez, não são, portanto, mal vistas pela maioria da população. O fato é que Chávez não preparou um sucessor nem civil e nem militar. O que coloca a Venezuela num grande dilema.
Uma das pré-candidatas que disputarão, nas primárias do domingo que vem, a chance de concorrer à Presidência com Chávez, a deputada Maria Corina Machado diz confiar em “setores militares lúcidos” e acha que muitos oficiais devem estar descontentes com a “politização das Forças Armadas”.
— O próximo presidente precisará rever abusos, como a presença de cubanos em nosso Exército.
O questionamento da oposição sobre a relação entre o Executivo e as Forças Armadas ganhou força na sexta-feira quando o próprio Chávez declarou: “As Forças Armadas são chavistas e têm Chávez no coração”.
No sábado, o presidente reafirmou a polêmica declaração num evento muito criticado pela oposição: uma parada para festejar os 20 anos do golpe fracassado, que contou com a presença dos presidentes da Bolívia, Evo Morales, e de Cuba, Raúl Castro.
— Os generais antigamente cumpriam ordens de massacrar o povo. Esses generais não voltarão a existir na Venezuela. De agora em diante teremos generais, almirantes, oficiais e tropas revolucionárias, anti-imperialistas, socialistas e chavistas.
O Globo
OPINIÃO - 22/11/2024