João Pessoa, 09 de abril de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Soleiras e sapatos. Rastros.
A canção “Nenhuma dor”, de Caetano Veloso e Torquato Neto, me pegou de novo – gravada por Caetano e Gal no disco Domingo, primeiro deles, em 1967, com arranjos de Dori Caymmi e Francis Hime – na entrevista que fiz a semana passada com Dori Caymmi, ele voltou a falar da importância desse disco.
“É preciso, ó doce namorada, seguirmos firmes na estrada, que leva nenhuma dor”
Tanta dor, né? Nenhum remédio – a representação é outra – é o tempo e quanto tempo perdemos por estarmos conectados, distraídos.
Nenhuma simbologia pode explicar melhor o sumiço de muitas pessoas, mortas ou vivas vítimas dessa conexão com as redes aceleradas – ter que postar antes de qualquer pessoa, quando, na verdade, o Fernando Pessoa dizia haver um tempo em que é preciso recosturar, reformar, reavivar as nossas roupas usadas que tanto nos deram alegria quando novas e que hoje apesar de gastas continuam quentes, macias e confortáveis porque possuem o formato do nosso corpo.
Não se fala mais pelos cotovelos. Só os otários.
Isso do poeta dizer recosturar, que lá no sertão a gente diz: “vamos cuidar”, bem antes de costurar, (usar a roupa velha colorida), não está relacionada ao nosso corpo, mas a cabeça. Quando vemos estamos velhos, vestidos dispersos na festa do pijama. Será?
É o tempo, a travessia, todo dia, todo dia. O Instagram nos rouba esse tempo – não é todo mundo, é o mundo todo.
O cara sai pra um passeio na calçada da praia com mulher e um menino pequeno de 5 anos, e lá estão cada um no seu mundo e o menino à margem.
De repente um vídeo com mulheres mostrando os seios, a genitália, em plena orla do Cabo Branco, naquelas bicicletas tamanho família – no comando, um influenciar chamado Arthur, certamente machista, #feladaputa, com a deselegância paterna.
O ralo leva tudo, o verde, o iodo e o lodo.
A luz pequena, aquela que acendíamos no criado-mudo para ler sem incomodar – a parceira ou parceiro, estão noutra vibe: acesa ou apagada, cada está na sua, se divertindo com o Tik Tok.
De tudo o que perece ser, é perturbador.
Tudo se dissolve no colapso das horas, no dobrar a esquina e no mais evidente alvoroço da vida.
Estamos sozinhos, mais do que nunca, além dos cansativos e enjoativos prefácios, acenos e bobagens em permanências.
Kapetadas
1 – Não gostar de mim não faz de você uma boa pessoa, mas já atesta um certo bom gosto.
2 – Comer direito: para os abastados, é ter modos à mesa; para os famintos, seria ter três refeições ao dia.
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OPINIÃO - 22/11/2024