João Pessoa, 19 de abril de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Lindo, leve, lépido. Naquele sol morno de um domingo de abril, o sabiá espreguiçou suas asas como se não houvesse nada mais para fazer. Havia e muito.
Mas ele estava tão embasbacado com as suas novas descobertas que imaginou poder esticar o tempo além da conta. E nisso, ele era mestre. Incontáveis vezes se deitou nas correntes de ar, as mais quentinhas e se deixou ir, sem preocupações, sem alvoroço, sem medidas, nem piados. Apenas o pulsar do seu coraçãozinho martelando a mente, dando conta da pujança da vivência.
Sim, estava vivo e isso era tudo.
No entanto, nem os sabiás escapam das arapucas e maledicências que a vida apronta. Uma pichilinga, daquelas mais travessas e assaz teimosa, não lhe dava sossego. A sua bundinha – a do sabiá – foi a primeira a reclamar:
— Piu, piu, piu.
E ele não era passarinho de receber picada na bunda e ficar quieto. Seu biquinho reto e marrom foi quem atendeu os reclames do seu órgão mais saliente. Aprumou-se, afiou-se nas penas mais resistentes da asa esquerda, mirou o alvo e atacou. Haveria de devorar o inseto belicoso de uma picada só.
Quão bosta é a vida, pensou o sabiá. A malandra da pichilinga foi muito mais rápida do que o bico afiado do passarinho: pulou de bandinha, sorriu com a cara mais deslavada do mundo – se é que pichilinga tenha cara e sorria – zombando do sabiá:
— Nem me pega, nem pega…
Além de não alcançar a pichilinga, algo de mais grave aconteceu: o bico do sabiá resvalou em uma das suas penas e incidiu, com a maior força do universo, no centro do seu próprio fiofó.
Que dor! Que dor!
Beliscão de pichilinga na bunda de uma pobre ave já era algo que a incomodava além da conta, mas picada no centro do cu, nem passarinho sábio como o sabiá, poderia aguentar.
E foi assim que a pobre ave, acordando para a vida, se pôs a matutar: o sentido do tempo, qual seria? E a vida, também teria sentido? E as pichilingas, para que serviam aquelas criaturas comedoras de bunda de passarinho? E fiofó, fiofó tem sentido?
Foi nesse instante da mais pura filosofia que o sabiá descobriu: só sabia que não sabia que sabia que não sabia.
@professorchicoleite
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TURISMO - 19/12/2024