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Paraibano da Capital. Tocador de violão e saxofone, tenta dominar o contrabaixo e mantém, por pura teimosia, longa convivência com a percussão, pandeiro, zabumba e triângulo. Escritor, jornalista e magistrado da área criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Difícil escolha

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publicado em 22/04/2024 às 16h13

Os irmãos eram muito próximos, amigos a não mais poder. Fisicamente, restava óbvia a consangüinidade . Eram alvos, muito fortes , cabelos e olhos claros, daquele tipo que se chama popularmente de “galego” , no Cariri Paraibano.

Até a profissão era a mesma: ambos produtores rurais , de  médio a grande porte. Herdaram terras dos pais, e tocaram o negócio. Uma luta inglória, contra o terreno pedregoso e a crônica falta de água. Mesmo assim , conseguiram criar as respectivas famílias. Formaram todos os  filhos, proporcionando que nenhum tivesse que mourejar na terra, a não ser por livre escolha. Orgulhavam-se dos rebentos, advogados, médicos, professores, todos bem encaminhados na vida. Os primeiros netos começavam a iluminar suas casas.

Já septuagenários , ainda não conseguiam – ou não queriam , parar de trabalhar. O mais velho, “Seu” Lívio , saia toda madrugada, pilotando um velho trator , da casa da cidade para a propriedade, só retornando ao entardecer. Sempre olhando para o céu, na esperança de ver nuvens carregadas de água. Nunca bateu com o trator, apesar dessa aparente desatenção.

O mais jovem, Francisquinho, ainda passava dias na fazenda. Preferia ficar por lá, que fazer o trajeto diário de ir e vir. Gostava de dormir e acordar cedo, cercado pelos sons bucólicos.

Aos poucos, Francisquinho foi demorando mais no campo. Se antes partia na segunda depois da feira, e voltava para a casa da cidade, na sexta pela  manhã, começou a estender a jornada. Passou para a sexta de tarde. Mais adiante, o retorno espichou para o sábado de manhã. Depois, para o sábado a noite, e finalmente, chegou ao domingo, só a tempo de assistir com a família a missa das 15 horas.

Aí tem coisa, pensou dona Ilda, esposa devotada, com Bodas de Ouro já ultrapassadas. Passou a investigar esse súbito interesse de Francisquinho em se demorar na fazenda. Tinha coisa mesmo.  Se chamava Fátima, Fatinha para os de casa e para Francisquinho. Belíssima mulata, daquelas que endoidaram os portugueses, holandeses, franceses, e quem mais aportou por essas bandas. No auge dos 19 aninhos, filha de  moradores da gleba, tinha Francisquinho na palma da mão.  Até casa montou para a namoradinha, com televisão, fogão a gás , mobiliário completo. Fazia gosto ver.

Indignada com a descoberta, dona Ilda passou mal, botou para morrer, teve que ser internada às pressas no Hospital. Antes porém, recorreu ao cunhado, sabedora da influência que o irmão mais  velho tinha sobre o caçula: “Lívio, bote juízo na cabeça de Francisquinho”.

Seu Lívio não era homem de se intrometer na vida  dos outros, muito menos na do irmão querido, mas, não podia ficar indiferente à súplica da cunhada e comadre. Marcou um encontro na praça com Francisquinho.  Sentaram, começaram a enrolar os cigarros de palha, acenderam, e nada do assunto sair. Silêncio total.

Por fim, Seu Lívio tomou coragem e falou: “Francisquinho, isso está errado, deixe essa menina, você não tem mais idade para isso, sua mulher está interna no hospital, capaz de ter um troço” .

Francisquinho, pensou demoradamente, soltou uma longa baforada do palheiro, e respondeu: “Lívio, se eu deixar a menina, quem tem um troço sou eu”.

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