João Pessoa, 27 de maio de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
No caminhar da vida tenho experimentado momentos que nunca pensei e planejei. Eles foram surgindo para preencher o tempo, impulsionar o percurso e construir o dia de amanhã, diferente do de hoje, ao quebrar a rotina, criar novas expectativas e motivações que assumem a razão do nosso existir. A pandemia nos isolou e nos fez incomunicáveis fisicamente, todavia proporcionou com isso que buscássemos outras formas de nos socializar e relacionar com as pessoas. Surgem a cibercultura, a comunicação digital, a internet, como ferramentas que nos dão essa oportunidade extraordinária de estarmos perto, no aqui e agora, mesmo a quilômetros de distância, de maneira virtual. O mundo tornou-se pequeno e o tempo é imediato. E as vezes mais rápido do que se estivéssemos presente fisicamente. Durante esse período foi criado um grupo por uma colega nossa do Colégio N.S. de Lourdes, residente em Salvador, chamado “LOURDINAS 1963”, para que todas as colegas da turma concluinte daquele ano pudessem se comunicar. Foi um acontecimento por demais prazeroso que movimentou todas nós dando oportunidade de reencontrarmos pessoas que fazia cinquenta anos que não se viam, pois cada uma seguiu seu destino. Nesse contexto vou procurar narrar os fatos que me tocaram ao coração ocorridos nesses últimos meses.
O grupo Lourdinas 1963, constitui um loco de desabafo. É ali que se dá o desnudar da vida das amigas e cada uma expressa como ainda está lutando para viver e aproveitando o tempo que ainda lhe resta. Observa-se que os diálogos são carregados de emoções, manifestações de dor, de alegria, preocupações, as doenças que as acometem, sucessos obtidos por uma formatura de um neto ou o nascimento de um bisneto, como o de Eliete que recebeu os cumprimentos de Wolma se referindo ao nascimento do seu bisneto: “que presente Divino, Eliete. Parabéns! Bênçãos de Deus sobre essa criança, seus pais e toda sua família. Um grande abraço”. Cumprimentos e felicitações pelo Dia do Assistente Social dados a Cleinha, de Letícia dizendo: “Tudo o que Eliete falou é realmente verdadeiro sobre o quem você é. Reafirmo que você é uma pessoa maravilhosa, de coração grande e solidária com o sofrimento do outro, preocupada com o irmão. É tudo maravilhoso ao seu redor. Que Deus, os anjos arcanjos, querubins e serafins fechem o cerco trazendo a felicidade completa para você, Um beijo grande”. Giannina cumprimentada por Aurimar que expressa: Giannina ! Estes olhos maravilhosos que mais parecem duas esmeraldas, muitas felicidades, muitos anos de vida e saúde e é isto tudo que a gente precisa, para poder gozar do que nós estamos a desejar. Eliete fez também seu cumprimento: Giannina querida, Parabens! Que Deus lhe proteja cada vez mais com saúde, alegrias e ilumine seus caminhos. Feliz Aniversário! Valmira acrescenta: Querida Giannina, parabéns, muitas felicidades e que Deus a proteja, abençoe e ilumine seus caminhos. Diz Vânia: “somos um grupo coeso e cheio de histórias e aventuras”. Compartilha-se os problemas enfrentados no dia a dia, e deixa-se transparecer o estado de ânimo e espírito existente na pessoa naquele momento. Uma história de amor, um problema com um filho, uma situação difícil de doença etc. Contam dos passeios realizados, a alegria de ter conhecido lugares diferentes, e desconhecidos, realizar uma visita a museu, igreja ou um lugar desconhecido, etc.
Recordam a ausência das colegas que já se foram. Aconteceu caso interessante com Lucia Yplá, dizendo: “estou sem motivação para viver” e ao mesmo tempo levanta o ânimo das amigas para enfrentarem as vicissitudes com altivez. A fala de Lucinha sempre é contagiante e emocionante, ela fala empregando a alma e o coração, mas transmite para nós uma situação inédita, num mesmo momento expressa o encontro do presente com o passado. O que lhe faz triste e ao mesmo tempo alegre. Numa verdadeira dialética com ela própria. Ora sente vontade e alegria de viver, ora comenta suas tristezas e limitações. Aí ela faz seu relato tão verdadeiro que parece estarmos vendo tudo que ela diz e sente, numa transparência tal que emite tristeza, como também enxerga que não pode ficar desolada e depressiva, tem que levantar a cabeça e seguir em frente, vencendo o viver da vida. O contraditório do sofrimento.
Em outro momento Lucinha diz rezar pelas colegas mortas e menciona que nas suas orações estavam: Delma, Elda, Vera, Carmem e também incluía a colega Olivia Teixeira entre elas, isto por vários anos só a dois ficou sabedora por outras colegas que ela estava viva. Olivia, que ouvia o áudio, argumentou que isso foi verdade porque esteve muito doente e que havia surgido o boato que tinha morrido. Ela fala que se encontrou com amigas que quando as viu espantaram-se causando surpresa para todas que a consideravam desaparecida.
Olivia, procurando encorajar Lucinha, prega uma verdadeira lição de vida e de ânimo e nem por isso deixou de contar as vicissitudes e as agruras da vida que enfrentou e superou na sua linha do tempo para chegar aonde se encontra. Fala com o sentimento de dor no âmago pelo que sofreu e viveu. Pareceu-me muito inteligente que os percalços ocorridos serviram como desafios para impulsioná-la seguir adiante. Diz: “eu apesar dos momentos difíceis soube administrá-los e superá-los”. Hoje conta os resultados exitosos demonstrados na vida de seus filhos e netos. O desenvolvimento para construção foi trabalhoso mas olha para trás, no que já vai muito longe, que valeu a pena ter vivido. Entendi que quis com seu exemplo dizer a Lucinha: não desanime e nem fique depressiva, esperando o pior. Tudo tem seu tempo. Não se apresse, vai chegar um dia, não antecipe. E enquanto ele não chega viva e anime-se. Constato que existe um tempo menor para viver do que aquele que já vivemos. Olhar para a frente!
Nossa amiga Cleinha, também querendo dar força a Lucinha, que é chamada pelo grupo como evangelizadora, faz depoimento calcado na premissa de que todos nós temos problemas. Esta tese admite como verdadeira e para ilustrar cita uma parábola que conta do diálogo de um homem com Jesus sobre sua cruz em que ele solicita uma cruz menos pesada. Jesus manda escolher outra cruz, mas ele, após procurar, preferiu ficar com a mesma. Então ela fez analogia dizendo que as vezes pensamos que nossa cruz é mais pesada e observa-se o engano. Aí temos que nos conformar com a nossa. Ilustrou argumentando o caso da clínica em que foi mal atendida e o descaso demonstrado pelo idoso. A comida do restaurante que não lhe fez bem. Vânia acrescenta, citando o jargão de uma tia: “Existe o pior seria”.
Um caso que me chamou muita atenção nesses últimos meses, foi a história de amor contada por uma integrante do grupo, que mora em outro estado, e esteve aqui recentemente em João Pessoa passeando com a filha que estava vivendo um momento emocional difícil, depressiva, num processo de separação, e a sua vinda tinha o propósito de tirá-la do foco, procurar esquecer o acontecido, distrair, espairecer fazendo olvidar o episódio daquele momento tão doloroso. Vejam como são as coisas, uma guerra em Israel, naquele mundo tão distante e dizemos: está muito longe, não temos nada a ver com isso. De repente nos deparamos com o sofrimento da nossa amiga que tem uma filha casada com um filho de judeu, cujo casamento durou 17 anos. Há um ano vinha dizendo para sua filha que iria embora para Israel e logo começou a tirar os papeis. Ela ponderava falando para que deixasse terminar a guerra. O marido dizia que ia fazer um curso lá, etc. Isto sem que sua mãe soubesse de nada. A filha, mulher inteligente, bem-sucedida, que tem cultura e posição, com dois empregos que lhe dão uma boa renda. Mora muito bem e disse à mãe, eu não vou. No que a genitora concordou. “Claro que não, minha filha”. Ele se desfez de todos os bens, inclusive levou até o cachorro pagando preço altíssimo em avião próprio para transportar animais. Hoje, se encontra em uma pequena cidade próxima a Israel prestando serviço e aprendendo o idioma. Sustentado durante 6 primeiros meses pelo estado judeu, arcando com todas suas despesas. Completado o tempo, a partir daí terá que viver às próprias custas. Foi para lá voluntariamente na iminência de perder a sua vida. O que a deixa apreensiva, nervosa e não é para menos. É o sangue de seu sangue e carne de sua carne. Sofrem juntas. A cidade onde vive o marido já sofreu vários bombardeios. De lá ele não para de ligar contando os acontecimentos e daqui mesmo ela fica acompanhando tudo. Às vezes estão se falando e de repente a sirene toca avisando bombardeio, ele diz que só tem tempo de pegar a mochila e se meter num bunker. Ela fica ainda mais nervosa e dispara no choro. Mas o que eu vou fazer? Diz a mãe: “ foi ela que escolheu o marido, tudo bem. Fazer o que? ” Ela indagou a filha: “Minha filha, era bom se ele voltasse? ” Ela respondeu: “Não volta não mãe. Se voltar paga uma multa para o governo, não tem como recuar. Está treinando o idioma já faz um mês e encontra-se inscrito num curso de chefe de cozinha, ele é formado em direito. Falou para a filha que o amigo que era dentista estava ganhando 10 mil dólares para trabalhar 3 horas. Eu disse: “E a vida? Vale a pena? ”. Vimos nossa amiga desolada com a situação. No grupo cada amiga do seu jeito procurou confortá-la.
O desejo da colega era participar de encontros com as demais, chegou a cogitar comparecer com a filha, mas ela relutou e demonstrou que não queria estar em lugar de muita gente pois a sua vontade não era ver ninguém e então levantou a possibilidade de ir só ao encontro das amigas, mas foi impedida com o apelo: “não me deixe só”. De modo que a colega esteve aqui em João Pessoa, mas não teve oportunidade de nos ver. Lamentou muito, porém a prioridade era dar apoio a sua filha. Renunciou, deixando o encontro para outra oportunidade. As amigas respeitaram e entenderam a situação daquele momento e seria inoportuno deixá-la desolada, sozinha em um quarto de hotel. Era justo que como mãe ficasse solidária com a filha, comungando de sua dor. A colega confortava a amiga; “ isto é uma fase, mas que irá passar logo e que deveria dar toda assistência, e esta seria a prioridade. Almejava que os bons ventos soprassem de maneira positiva e que Deus e Nossa Senhora os ajudassem”. O grupo foi convocado para em oração suplicar a Deus a proteger o genro da amiga livrando-o de males e das balas. É o que podemos fazer, orar. Que Deus conceda a paz tão desejada.
Eu também prestei minha solidariedade à colega dentro do contexto da conversa. Disse: Amiga querida, realmente a situação política está difícil, mas a que mexe com o emocional é pior como se partisse o coração e o conflito que vai no âmago da alma de quem ama e principalmente quando se trata de uma separação do ente amado. Nossa mais forte comunhão de sentimentos para com você e sua filha, porque além da apreensão da guerra ela vive uma guerra íntima maior do que a guerra que se processa, ela está arraigada no fundo de seu coração e nas entranhas de sua alma. É uma dor lancinante que só sente quem já teve a experiência da perda de um grande amor. Aqui no grupo temos exemplos de Lucinha e de Vânia. Não haverá vitória nesse momento, porque este conflito é inglório e já existe a perdedora que é ela. Vejo nessa situação, embora complicada, um fio de esperança que tudo volte ao normal. Quem sabe se esta ida dele para Israel e a separação servem para fazer refletir e consolidar mais essa união! Às vezes os caminhos de Deus são tortuosos para depois aprumá-los. Uma coisa chama atenção, a reclamação dele quanto a falta de comunicação. Isto é uma demonstração que sente a sua ausência. Mesmo à distância o falar com ela ameniza a sua ausência física. É certo que dá importância e está sentindo seu afastamento com a distância. Se houvesse o vazio do amor esse sentimento era inexistente. Para mim, ele permanece, por isso acredito numa reconciliação. Vamos fazer uma corrente positiva. A voz do amor falará mais alto e norteará os caminhos. Aguardemos.
Numa tarde já quase noite nos reunimos com as amigas que o tempo consagrou. Mais um encontro, como fala Vania: “ mais uma vez a alegria deu origem a saudade “. Motivo de alegria por celebrarmos o aniversário de nossa querida Zenilda e a tristeza pela despedida antecipada de Germana. Isto às expensas de Cleinha e da aniversariante Maria Arminda, Letícia e Aurimar. Reunião prazerosa. Falamos de amenidades, de fatos que nos levaram ao passado e atualizamos o que se tem notícia de hoje e dos eventos que nos chama atenção. Letícia mesmo não comparecendo ao encontro despediu-se de Germana postando: “Se Deus quiser, nos encontraremos mais uma vez no próximo ano. Beijos no coração com Jesus e Maria no comando de sua viagem”. Cada vez mais nossa amizade se consolida. Terminamos a nossa confraternização com a intenção de realizarmos novo encontro a ser marcado pela líder agregadora e evangelizadora, Clea Moura. Agradecemos a Deus por oportunizar momento único como este.
Gente, se eu fosse falar teria muito mais a dizer e comentar porque a toda hora surgem novidades e novos casos. O nosso grupo é composto de amigas, todas carregadas de valores. Possuem suas verdades e as defendem com pensamentos dos mais profusos até porque cada uma é fruto da realidade de suas vidas que são diferentes e apresentam-se diversificadas. Uma coisa percebemos que nos une e é igual: são aqueles princípios defendidos e ensinados em nossa formação no Colégio N. S. de Lourdes, que estão presentes em nós até hoje. Isto é transparente em nossas falas, em nosso proceder, no acreditar em Deus, na prática dos valores morais e éticos em nossa vida pessoal, profissional e familiar, ensinamentos que nos ajudaram, em muito, a chegar até aqui e a enfrentar a luta pela vontade de viver.
Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP
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OPINIÃO - 22/11/2024