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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Dom José, 30 anos depois  

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publicado em 29/05/2024 às 07h00
atualizado em 28/05/2024 às 14h11
No dia 23 de maio de 1994, Dom José Maria Pires apresentou à Santa Sé a Carta solicitando sua renúncia, tornando-se Bispo Emérito, quase trinta anos depois de ter chegado para o pastoreio do povo na Paraíba. Ele chegou ao solo paraibano no dia 26 de março de 1966, iniciando uma profícua e inesquecível caminhada, com olhar para as periferias humanas e para os rincões onde o pobre era explorado. A todos estendia a mão, levando a Palavra salvadora.
Nas primeiras linhas da sua Mensagem de despedida, Dom José evocou as palavras de Deus a Moisés, quando é aconselhado a tirar as sandálias dos pés para pisar na terra onde chegava, porque o chão era sagrado. Em situação diferente, imitando a ele, quando tomei posse da Academia Paraibana de Letras, mesmo sendo-me familiar o lugar, prometi que a partir de 09 de fevereiro de 2023, todas as vezes que adentrasse à Casa de Coriolano de Medeiros, limparia a sola dos sapatos em sinal de respeito e admiração pelo piso sagrado da cultura da Paraíba.
A Carta de Dom José é um documento atual e indispensável ao conhecimento de todos, sobretudo do clero, porque contém mensagens, opiniões e diretrizes, que ajudam a compreender nossa caminhada, mesmo com muitos e diferentes desafios.
Três meses depois de chegar à Paraíba, o vento do Concilio Vaticano II estava entranhado na mente e no coração de Dom José. Para sentir e viver com o povo, ele não demorou a se embrenhar pelos rincões dos canaviais e áreas periféricas desta cidade. Estendeu as mãos aos desvalidos e degredados, impregnou-se do cheiro das ovelhas. Por isso as ovelhas tanto o amavam.
Tantas coisas bonitas nos fez conhecer, vivenciar e expandir em quase três décadas de pastoreio. Ele trouxe os leigos para perto da Igreja e confiou a estes a missão de levar Cristo Salvador aonde havia pessoa desanimada. Um exemplo são as Comunidades Eclesiais de Base, as Caminhadas da Pastoral da Terra e tantos outros movimentos e pastorais que ganharam o seu jeito mineiro de atuar.
Vindo dos rincões de Minas Gerais, costumava dizer que a sua “paraibanidade estava cada vez mais comprometida com os pobres”. Quando recebia muxirões, revidava com o afago da mão.
Diante das incompreensões, que foram muitas desde quando chegou, começando pela rejeição à sua negritude, foram muitos os gestos de repulsa a ele, principalmente por parte da elite dos palacetes e das mansões à beira-mar. Mas o povo humilde logo se acostumou com seu jeito. Na sua simplicidade, ao se despedir de nós, escreveu: “se não faltou amor no meu coração, faltou nas palavras, nos gestos, nas atitudes”.
Nada disso, Dom José! O senhor é um Pai espiritual que jamais esqueceremos.
Quando tomei conhecimento da presença de Dom José na Paraíba, ainda perambulava entre Serraria e Arara, lugar onde nasci e morei até o primeiro ano da década de 1970. Mas foi como jornalista que me aproximei dele e com atenção acompanhava suas pregações.
Minha primeira conversa com ele foi quando o poeta e escritor Waldemar José Solha publicou o livro A Verdadeira Estória de Jesus (1979), no qual sugere que Jesus nunca existiu. Obra literária de ficção, que teve enorme repercussão no seio da Igreja. Fui escalado pelo jornal O Norte para entrevistar Dom José sobre o assunto. Sua resposta pode até não ter convertido Solha, mas, depois desse episódio, tornaram-se amigos e, juntos, mais a parceria do maestro judeu José Kaplan, escreveram a Cantata pra Alagamar, em 1979.
“O Bispo tem que ser muito pai”: esta frase me acompanha desde quando li a sua Mensagem de despedida, em novembro de 1995, quando foi publicada. Para mim, esse “ser pai” não é dirigido a todo o clero. Precisamos ser imitadores de Cristo, Pai Bom Pastor. Um pai que está disponível a ouvir e atender as ovelhas, mesmo quando esteja cansado. O pai que espera ansioso o filho chegar da rua, o pai que acorda à noite para ver como o filho dorme, o pai que fica sol a sol trabalhando para colocar o pão na mesa.
Quando lembramos dele se despedindo de nós, pois em novembro de 2025 devemos lembrar os trinta anos de sua despedida, fica a sugestão se realizar uma reflexão sobre sua obra missionária. Certamente muito nos ajudaria na caminhada de padre e diáconos.
As palavras dele naquela Mensagem são ternas, sábias e profundas, atuais, e continuam atuais.
Tantas coisas fez por nós, por isso Dom José continuará na memória de muito

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